Por Demy J.
Embora o assunto incomode
profundamente muitos, a verdade é que “só há um problema filosófico
verdadeiramente sério: o suicídio”, como já escreveu Albert Camus. E, por isso
mesmo, é preciso refletir sobre o apoio dado ao suicida possibilitando um
diálogo aberto sobre as suas dores mentais insuportáveis que levam à metástase
do sofrimento solitário invadindo cada parte da sua alma, do seu ser,
aniquilando a sua vitalidade até transformá-lo num zumbi à mercê do avanço
implacável dos pensamentos destrutivos. Só assim será possível segurá-lo pelas
mãos quando ele estiver à beira do abismo prestes a despencar. O suicida não
nasce pensando em terminar logo com a própria existência, muito pelo contrário,
ele protela o máximo que pode, enquanto este câncer mental vai corroendo toda a
sua sanidade até atingir a sua saúde física. O mal estar é tão grave que afeta
aspectos essenciais do seu cotidiano como o seu sono, pois ora não consegue
dormir e se deixa contaminar por uma angústia existencial excruciante, ora tudo
o que ele quer é dormir, dormir, dormir, deixando-se dominar por uma impotência
visceral diante da vida. Qualquer ação, por mais banal que seja, torna-se
insuportavelmente difícil para se colocar em prática, desde comer alguma coisa
ou mesmo tomar banho e escovar os dentes. O suicida afetado, implacavelmente,
por doses cavalares de depressão sente como se uma força gravitacional muito
maior do que a própria gravidade o sugasse para o centro da terra, tornando-o
pesado, lento, rastejante. E se sente terrivelmente só. Nas raras vezes em que
se vê obrigado a socializar em razão do trabalho ou do convívio familiar, o
suicida oculta os pensamentos intrusivos que ferem a sua mente dissimulando um
comportamento tido como normal; entretanto, seu olhar é evasivo e sua fala é
reticente, ostentando, por vezes, um sorriso incongruente com a devastação que
assola a sua alma. Não é à toa que muitos se surpreendem quando o suicida leva
a efeito os seus planos, porém, no coração dos mais íntimos a verdade daquilo que
suspeitavam emerge com toda a sua força brutal impingindo-lhes a dor máxima da
culpa. Quem descreve lindamente esta condição, se é que se pode utilizar este
advérbio neste contexto, é Andrew Solomon em “O demônio do meio-dia”. É um
livro extremamente honesto. O escritor não poupa detalhes sobre os pensamentos
mais íntimos que assolam as crises depressivas e as dificuldades de lidar com
um constante estado de ânimo contra o qual tem que lutar e vigiar
frequentemente. Inclusive, discorre sobre a depressão e a intenção suicida sob
uma ótica científica e sob o olhar de psicanalistas, médicos e de pessoas que
passaram por tais situações. Recomendo a todos que se identificam com essa
doença ou que, ao menos, queiram lidar melhor com aqueles que estão passando por
isso e que preferem não fechar os olhos e fingir que o suicida está apenas
“chamando a atenção” e porque, afinal de contas, falar sobre isso é jogar um
elefante cor-de-rosa sobre a mesa de jantar. A vida torna-se séria, muito
séria, e a comida engasga goela abaixo.
Entretanto, não falar sobre o assunto é sempre uma
péssima estratégia quando se trata de um problema pontual e profundo como esse.
Trata-se de um sofrimento longo, intenso, de anos, que permeia a estrada do
suicida que planeja o ato final. Certamente, ele tentou resistir ao plano dia
após dia, procurando razões para permanecer vivo e, ao mesmo tempo, se sentindo
um covarde por não conseguir se desvencilhar dos pensamentos repetitivos que
martelam a sua mente dizendo-lhe, dentre tantas outras insanidades, “você não
vale nada, você é um lixo”. Não há como compartilhar estes sentimentos com as
pessoas que, superficialmente, dizem ao suicida que ele tem uma vida boa,
apontando fatos banais como uma cama confortável para dormir, comida farta e um
trabalho decente. Não entendem que não há clareza no raciocínio dos suicidas.
Estes enxergam as coisas, no entanto, apenas com vários graus de miopia,
distorcendo-as. Então, não adianta apontar ao suicida que o céu é azul. Ele vê
a cor, entretanto, não a percebe. Somente quando aqueles que pretendem ajudar o
suicida entenderem essa “miopia” crônica e, com empatia e coragem suficientes,
estiverem dispostos a ouvi-lo verbalizar os seus pensamentos, segurando-o nas
mãos quando os momentos críticos ocorrerem, é que será possível ajudá-lo a
sobreviver às crises agudas. É claro, enquanto o suicida também faz o
tratamento médico e psicoterapêutico necessários para que os pensamentos
destrutivos se tornem cada vez menos frequentes e mais administráveis. No
entanto, o fato é que é mais fácil se afastar do campo magnético negativo que o
suicida emite a todos os que lhe são próximos. Incomoda cuidar e olhar por
aqueles cuja doença é invisível sob o ponto de vista físico. Não é como o
câncer que mostra as chagas da doença debilitando a carne a olhos vistos. Os
pensamentos suicidas são invisíveis e habitam a mente do seu hospedeiro. As
pessoas só enxergam os sintomas, e não a doença por si só. E se afastam porque o
suicida se tornou uma pessoa difícil para se conviver. E, depois, lamentam,
hipocritamente, porque ele se foi.
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Fonte: http://obviousmag.org/
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