Por Ricardo Antunes
(UNICAMP)
Desde o final do ano
passado, se evidenciava uma mudança na política econômica do governo Dilma
Rousseff, visando atender às pressões dos grandes capitais, em alvoroço com o
agravamento da crise que se avizinhava.
Nesse
novo quadro, para além de penalizar centralmente a classe trabalhadora, as
distintas frações dominantes que se beneficiaram dos governos do PT começavam a
disputar entre si quem iria arcar menos com o ônus da crise. Esse cenário já
explosivo se agudizou com a ampliação da crise política decorrente da corrupção
na Petrobras.
Sabemos
que, nos partidos da ordem, a corrupção é mais a regra do que a exceção. Mas
quando ela atinge um partido que se originou da esquerda, como o PT, ganha um
sabor especial para as direitas. Esse fator trouxe um componente explosivo para
desestabilizar a aliança partidária que deu sustentação ao governo Dilma
Rousseff.
Alem
do PT, o PMDB também foi duramente maculado pelo saque. Tendo algumas de suas
principais lideranças acossadas pelas investigações da Operação Lava Jato,
iniciaram as dissensões, justamente no partido que garantia a maioria de votos
no Congresso Nacional.
Começava
a desmoronar o pacto frankenstein arquitetado anos atrás por Lula. Eduardo
Cunha, político arquiconservador, com fortes relações com seitas religiosas e
cujo passado floresceu na era Collor, de coadjuvante passou a exigir que o
governo se tornasse refém dele, assumindo o papel de oposição.
Deu-se,
então, uma conjunção explosiva: a ampliação da crise econômica global e a
vitória dificílima nas eleições, com alta dose de estelionato, usado
corriqueiramente por quase todos os candidatos (basta recordar que Aécio Neves
sempre negou que faria o ajuste, se eleito fosse). Em seguida, vimos a
intensificação da crise política, consequência das novas denúncias de corrupção
envolvendo o PT.
A
desestabilização do heterodoxo arco de alianças que dava sustentação ao governo
se aprofundou e, se tudo isso não bastasse, as revoltas populares contra as
medidas de "ajuste fiscal" ampliaram ainda mais a base social do
descontentamento e da rebelião.
Tudo
isso fez aumentar também a tensão crescente entre o PT, Lula e Dilma, não sendo
difícil perceber que a decomposição política do governo avança a cada medida
que se toma e não se concretiza.
Esse
quadro turbulento fortaleceu a contraofensiva das direitas que conseguiram, ao
seu modo tosco e rude, politizar posteriormente, em 2015, as jornadas
deflagradas em junho de 2013, turbinando sua bandeira principal: lutar contra a
corrupção do governo Dilma e pressionar o Parlamento (que não poucas vezes
exercitou aventuras golpistas, como em 1964) para conseguir o apoio
institucional necessário para o impeachment.
É
preciso recordar que o prestígio do Parlamento se encontra atualmente na
sarjeta.
Assim
se pode resumir a diatribe dos conservadores: conivência com a corrupção das
direitas, mas "guerra de movimento" e de "posição" contra
Dilma e o PT. Se assim não fosse, a devassa política deveria se estender também
ao PSDB.
A
ira conservadora se volta contra a totalidade das esquerdas, sociais e
políticas, mesmo aquelas que fazem aberta oposição ao governo de Dilma, como
PSOL, PSTU e PCB, dentre outros. Quando até o papa da Igreja Católica vai a
Cuba, as direitas enxergam comunistas nos rabanetes das feiras livres.
No
meio desse cipoal, o governo Dilma Rousseff, que um dia pareceu sólido, evapora
em pleno inverno desertificado. Mas ainda é difícil saber se estancará na
crise, se conseguirá se recuperar ou se vai mesmo soçobrar.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes; edição do dia 06/10/2016. Originalmente, o artigo denomina-se 'O governo Dilma e a crise'.
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