terça-feira, 6 de outubro de 2015

Brasil: raízes da crise, a ruptura do 'pacto frankstein' e o futuro

Por Ricardo Antunes 
(UNICAMP) 

Desde o final do ano passado, se evidenciava uma mudança na política econômica do governo Dilma Rousseff, visando atender às pressões dos grandes capitais, em alvoroço com o agravamento da crise que se avizinhava.
Nesse novo quadro, para além de penalizar centralmente a classe trabalhadora, as distintas frações dominantes que se beneficiaram dos governos do PT começavam a disputar entre si quem iria arcar menos com o ônus da crise. Esse cenário já explosivo se agudizou com a ampliação da crise política decorrente da corrupção na Petrobras.
Sabemos que, nos partidos da ordem, a corrupção é mais a regra do que a exceção. Mas quando ela atinge um partido que se originou da esquerda, como o PT, ganha um sabor especial para as direitas. Esse fator trouxe um componente explosivo para desestabilizar a aliança partidária que deu sustentação ao governo Dilma Rousseff.
Alem do PT, o PMDB também foi duramente maculado pelo saque. Tendo algumas de suas principais lideranças acossadas pelas investigações da Operação Lava Jato, iniciaram as dissensões, justamente no partido que garantia a maioria de votos no Congresso Nacional.
Começava a desmoronar o pacto frankenstein arquitetado anos atrás por Lula. Eduardo Cunha, político arquiconservador, com fortes relações com seitas religiosas e cujo passado floresceu na era Collor, de coadjuvante passou a exigir que o governo se tornasse refém dele, assumindo o papel de oposição.
Deu-se, então, uma conjunção explosiva: a ampliação da crise econômica global e a vitória dificílima nas eleições, com alta dose de estelionato, usado corriqueiramente por quase todos os candidatos (basta recordar que Aécio Neves sempre negou que faria o ajuste, se eleito fosse). Em seguida, vimos a intensificação da crise política, consequência das novas denúncias de corrupção envolvendo o PT.
A desestabilização do heterodoxo arco de alianças que dava sustentação ao governo se aprofundou e, se tudo isso não bastasse, as revoltas populares contra as medidas de "ajuste fiscal" ampliaram ainda mais a base social do descontentamento e da rebelião.
Tudo isso fez aumentar também a tensão crescente entre o PT, Lula e Dilma, não sendo difícil perceber que a decomposição política do governo avança a cada medida que se toma e não se concretiza.
Esse quadro turbulento fortaleceu a contraofensiva das direitas que conseguiram, ao seu modo tosco e rude, politizar posteriormente, em 2015, as jornadas deflagradas em junho de 2013, turbinando sua bandeira principal: lutar contra a corrupção do governo Dilma e pressionar o Parlamento (que não poucas vezes exercitou aventuras golpistas, como em 1964) para conseguir o apoio institucional necessário para o impeachment.
É preciso recordar que o prestígio do Parlamento se encontra atualmente na sarjeta.
Assim se pode resumir a diatribe dos conservadores: conivência com a corrupção das direitas, mas "guerra de movimento" e de "posição" contra Dilma e o PT. Se assim não fosse, a devassa política deveria se estender também ao PSDB.
A ira conservadora se volta contra a totalidade das esquerdas, sociais e políticas, mesmo aquelas que fazem aberta oposição ao governo de Dilma, como PSOL, PSTU e PCB, dentre outros. Quando até o papa da Igreja Católica vai a Cuba, as direitas enxergam comunistas nos rabanetes das feiras livres.
No meio desse cipoal, o governo Dilma Rousseff, que um dia pareceu sólido, evapora em pleno inverno desertificado. Mas ainda é difícil saber se estancará na crise, se conseguirá se recuperar ou se vai mesmo soçobrar.

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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes; edição do dia 06/10/2016. Originalmente, o artigo denomina-se 'O governo Dilma e a crise'. 

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