Por Vandeck Santiago
Jovem filha
de um casal amigo meu comprou um Iphone 6
e o perdeu no primeiro dia de uso, na praia de Boa Viagem. O que há de estranho
nesta sentença? Teoricamente nada, porque as pessoas costumam levar seus
celulares para os mais diversos lugares, e costumam perdê-los nas mais diversas
situações. O estranho é o que aconteceu depois: pelo localizador instalado no
aparelho foi possível chegar à residência da pessoa que o encontrou, que morava
a cerca de 40 quilômetros da praia. O pai da jovem foi até lá. “Olha, minha
filha perdeu o celular, e o localizador diz que ele está aqui”, falou ele para
a senhora que o atendeu. “Eu achei o celular, mas não vou devolver, não”, disse
a mulher. “Mas, senhora, o celular não é seu, é da minha filha…”, tornou o pai.
“Não é mais, não. Eu achei, não roubei. Achado não é roubado”, disse a mulher.
Sei que diante das denúncias dos atos de
corrupção que temos visto nos últimos meses, envolvendo grandes empresas e
grandes nomes, a comparação com os valores envolvidos em outros casos é
despropositada. O que é um Iphone 6
na fila do pão das propinas na Petrobras?…
A questão é que o problema da corrupção não é
definido pela grandeza das somas envolvidas. Por pensar assim é que fiquei
espantado com a bizarrice do comportamento da pessoa que encontra um celular, o
dono bate à sua porta e ela diz que não vai devolver porque o achou. A
justificativa não é nem nova, é um ditado antigo, que na totalidade diz:
“Achado não é roubado, perdeu porque foi relaxado”.
Acho este caso inusitado por isso. A pessoa não
acha que está fazendo nada errado, não considera que praticou algo ilegal. O
camarada pego com a mão na botija da propina pode confessar, pode negar ou até
dizer que não tem nada a declarar. Mas nunca dirá: “Peguei porque não há nada
de errado nisso”. A senhora que é flagrada batendo o ponto sem trabalhar é capaz
de sair correndo para fugir da repórter que tenta entrevistá-la sobre o caso -
mas nunca vai parar e dizer: “Eu bato o ponto e não trabalho, e daí? O que há
de errado nisso?”. Nos dois casos, os envolvidos sabem que não há defesa no
erro praticado.
Mas a pessoa que tenta apossar-se de valores ou
objetos perdidos agarra-se ao ditado do “achado não é roubado” como se ele
contivesse a absolvição compulsória do gesto. Imagino o prazer de alguém que
vai à praia e volta para casa com um Iphone
novinho em folha, sem ter gasto um tostão para adquiri-lo - mas, olha, a menos
que tenha caído diretamente do céu no seu bolso, o aparelho não lhe pertence.
Não sou eu quem o diz, é o Código Civil em seu artigo 1.233: “Quem quer que
ache a coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor”,
seguido do “Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por
encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade
competente”.
Não é roubo nem furto, mas é crime previsto no
Código Penal, que preconiza em seu Artigo 169 inciso II:
“Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia
vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre:
II - quem acha coisa alheia perdida e dela se
apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo
possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15
(quinze) dias”.
Não tenho formação em Direito; essas informações
estão disponíveis na internet. Mas, cá entre nós, precisa invocar códigos,
artigos e incisos para convencer-se da obviedade de que um celular (ou uma
carteira, ou um pacote de dinheiro, ou um DVD com a obra completa de Cláudio
Assis) não se torna automaticamente meu só porque alguém o perdeu e eu o
encontrei?… E menos ainda quando o dono bate à minha porta?… Em tese, não. É
algo tão óbvio… Mas diante das raízes de corrupção entranhadas em todos nós,
que levam muitos a considerar como corrupção propinas para políticos e como
golpe de sorte apropriar-se de algo que alguém perdeu, as obviedades tornam-se
complexidades. O que nivela tudo é a ação da polícia e da Justiça - o remédio
adequado para esse tipo de coisa. Não sei se foi nisso que pensou o pai da jovem
que perdeu o celular. Mas ele disse: “Se a senhora não devolver o celular, eu
vou chamar a polícia”. Ela devolveu.
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Fonte: Diário de Pernambuco, coluna 'Em Foco', edição do dia 04/10/2015. Título original do artigo: 'Achado não é roubado...'
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