quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Nós, a estranha certeza

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Por João Roc

O poema é um artifício eternamente mundano. A passagem de um cometa tem mais atemporalidade que a passagem de um verso. Todavia, ambos gemem no imaginário sangrento das veias das tardes e ajudam – como uma sopa ao moribundo – o mundo pálido à reescrever seus tópicos que deveremos seguir ocultamente. Há um sem-fim de roucas introduções do que poderia ter nos acontecido.
Mais um dia atrasado no trabalho. Pensa ele, em suas infinitas reflexões suburbanas. O mundo do jeito que vemos tem uma singularidade de certezas rigidamente líquidas. As relações humanas parecem tão frágeis, um olhar, uma vírgula mal posicionada, pode funcionar como um gatilho atingindo às percepções mais imperscrutáveis da natureza humana, ao mesmo tempo em que cria um monstro com tentáculos - que fluem na cerração que envolve os olhos. Quem poderia imaginar tal coisa – Pergunta ele, curvado sobre a cadeira antes de começar a trabalhar seu esquecimento.

Sim, esquecer é seu exercício matinal: Esquece que o mundo atrás daquela saída é tão selvagem quanto qualquer selva; esquece que há pessoas dispostas a provocar tropeços traumáticos e inventar mentiras mirabolantes a fim de conseguir seus objetivos mais elementares. Esquece até de olhar a paisagem suja das ruas sujas das pessoas de cara limpa e almas controversas e desconhecidas.
Ah, cada gesto, subir e descer do ônibus, abrir e fechar de portas, a sub-gentileza das atendentes, o semi-machismo dos transeuntes, a educação surreal dos vendedores; o pegar o troco, a mão levando a página que contém valores abstratos – Oh que mundo mentecapto!
– Ok, vou começar a trabalhar (respira fundo) – não! Vou beber um café primeiro, meu ponto de partida...
- Quem esquece, esquece o que mesmo? (ouve de um ponto distante da sala)
O dia tem cores ainda não conhecidas, o chefe é bem humorado em sua inteligência, sábio na condição de ser chefe. Colegas do trabalho erguem pequenos punhais implícitos – Ah, o que devo fazer então, ausentar-me?,  pergunta ele para um ponto vazio da mesa.
– ah sim, o café…
Dias, horas, repete-se em sua premissa que um dia as coisas mudarão de figura. Que um dia, terá um carro, uma grande casa, filhos talvez, e conforto, repete ele em sua ganância límpida, extrema, desértica, como todos, como tudo. Os gananciosos do amor e do ódio, a ganância por espaço e prisão. O ser humano nunca aprenderá com os pássaros e se aprendesse realmente a voar, venderia suas asas por um bom preço.
– Bom, vou ali finalmente pegar uma xícara com café (levanta). Oh horas! Dúvidas fazem parte do longo leque de (des)razões cotidianas. Ficamos impassíveis, leves em nossas certezas - certezas?
– sim, certeza de que darei um passo agora - irei, não sei se volto.
– Mas estais falando da vida ou de uma simples ida ao encontro do café?
– Existe alguma diferença?
- bom…
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Fonte: http://lounge.obviousmag.org/




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