domingo, 6 de dezembro de 2015

Vertigens em doses: entre contar e descontar uma história




Por Ricardo Gessner 

A sobriedade é lugar comum e seguro para que a consciência dê os seus passos lógicos. Tudo vai bem quando o olho vê, os ouvidos escutam, o nariz cheira, a boca degusta, o tato sente e o cérebro compreende. Contra isso, há uma indicação: Vertigens, de Wilson Alves-Bezerra, lançado pela Iluminuras em 2015.
Trata-se de 29 cápsulas de poemas em prosa, cuja posologia abarca uma linguagem que desfaz a percepção consciente e nos coloca noutras possibilidades de perceber e viver. Não há receita para ingestão das cápsulas: podem ser tomadas a qualquer hora, em qualquer sequência, com água, leite, uísque ou conhaque: “Um deus eunuco ronda as tocas, mas tatu preguiçoso quer chegar ao inferno é pelos atalhos. Quero esquecer Constância, e quando a louca se deita esparrama pelo céu seus pedágios...”. É uma escrita febril, nada vai bem: o olho grita, os ouvidos espirram, o nariz ferve, a boca delira, o tato explode e o cérebro ri-se.
Arrisco dizer que é uma escrita de “subvertigem”, pois subverte, como se disse, qualquer percepção consciente da realidade, o que se constitui numa linguagem solta, de vertigem; ou nos termos de Cláudio Willer, no prefácio: uma escrita “radicalmente do avesso”, semelhante ao delírio” – em que se confundem sentidos: “O oximoro dos seus seios vejo da fresta do meu olho esquerdo, enquanto passa a página. Em qualquer capítulo tateei as páginas para lhe saber as carnes”, e/ou confundem-se línguas e brotam novas palavras: “Il est trés lelés de la cuca, et en le parcours de la cucaracha de la tête a la baguete, il vois tout les chacrettes dans la rue, solitaire comme l aluna, chocolatt, latt y me morde pas”. Em última instância, a escrita adquire autonomia em relação à realidade, atingindo seus limites: ao articular outros meios de percepção, revela os limites da própria realidade. Mais do que isso, sua falta de sentido.
“Vertigens” não é um livro que conta uma história; é uma história que desconta. O leitor torna-se personagem, englobado em cada cena, ébrio, percorrendo despropositadamente uma cidade que conhece como a palma da mão, mas lida pela primeira vez. Um andante que experimenta cada paisagem na imersão dos sentidos aflorados e desconfigurados, ao mesmo tempo em que é experimentado pela paisagem que se manifesta pela própria vontade.
É possível visualizar a leitura de alguns poemas de Vertigens, feitas pelo próprio Wilson Alves-Bezerra em seu canal no site Youtube. Para acessá-lo, o link é: 
Além de “Vertigens”, Wilson também publicou “Histórias zoófilas e outras atrocidades” (Contos, EUFSCar/Oitava Rima, 2013), é resenhista em jornais como O Globo, Zero Hora, O Estado de São Paulo. Traduziu Horácio Quiroga (Contos de amor e de loucura e de morte; Contos da Selva; Cartas de um caçador,) e Luis Gusmán (Pele e osso; Os outros). É professor do Departamento de Letras, UFSCar, tendo publicado os estudos Reverberações da Fronteira em Horácio Quiroga; e Da clínica do desejo a sua escrita.
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Fonte: http://lounge.obviousmag.org/



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