Não há de se abonar os equívocos do PT - e sobretudo os malfeitos que ganharam corpo sob o guarda-chuva do lulismo -, mas, até por uma questão de civilidade, não se pode fechar os olhos para casos como o que ocorreu com Chico Buarque. Uma agressão cretina, gratuita. Da omissão de muitos, mostra a história, nutriu-se a serpente do fascismo. Abaixo, artigo do escritor Eric Nepomuceno a respeito, que estava na companhia de Chico durante o ocorrido.
Registro do caso (Foto: Reprodução/Glamurama) |
Por Eric Nepomuceno
O que mais impressiona – e preocupa – na agressão verbal que um grupo de
garotões cuja profissão principal é ser filho de pai rico lançou contra Chico
Buarque na noite da segunda-feira, 21 de dezembro? Três coisas. Primeiro, a
extrema fúria dessa direita desgarrada que acaba de sair do armário embutido.
Segundo, a facilidade com que repetem o que dizem os grandes meios de
comunicação. E terceiro, a incapacidade
para qualquer gesto minimamente civilizado.
Chico saía de um jantar com amigos quando, ao buscar um táxi, passou a ser
chamado de ‘petista’. Ouviu a repetição de clichês idiotas repetidos à exaustão
pelos meios de incomunicação e pelos deformadores de opinião. A um dos garotões
ele respondeu com humor. Dizia o valentão que defender o PT quando se mora em
Paris é fácil. ‘Você mora em Paris?’, perguntou Chico. E o rapaz respondeu:
“Não, quem mora em Paris é você!’. Chico, então, perguntou: ‘Você andou lendo a
Veja?’. A ironia continua sendo uma válvula de escape. Mas para ter ironia é
preciso inteligência, artigo definitivamente raro na praça.
Não foi a primeira nem a décima agressão verbal que ele e seus amigos ouvem,
todas relacionadas ao PT, a Lula e a Dilma. O mais recomendável é, sempre,
fazer ouvidos moucos. Mas também essa regra tem suas exceções. O episódio de
segunda-feira foi inevitável: Chico estava no meio da rua, é pessoa pública,
reconhecível a milhas marítimas de distância.
Mais grave é saber que não foi a primeira nem a décima ocasião, e também não
terá sido a última. O país está polarizado como poucas vezes esteve nos últimos
50 ou 60 anos. O grau de agressividade, de furiosa intransigência dessa direita
recém-saída de um imenso armário – certamente embutido – é o que mais chama a
atenção. E preocupa. Muito. Dizer na cara de alguém ‘Você é um merda’ pode ter
consequências sérias. Chico sabia e sabe que qualquer reação à altura não faria
outra coisa que atiçar ainda mais a fúria dessa direita desembestada,
fartamente alimentada pela grande imprensa. Até nisso a direita recém assumida
em sua verdadeira essência é covarde. Até quando?
O país se acostumou às tristes cenas de violência entre torcidas organizadas no
futebol. Elas pelo menos têm a decência de se uniformizar, ou seja, é fácil
identificar o adversário à distância.
Essa direita troglodita, não. Ataca à traição. E sabe que figuras públicas como
as que foram atacadas à sorrelfa não costumam reagir, para não alimentar a sede
mesquinha dos escrevedores de intrigas.
Há poucos registros, que eu me lembre, de alguém que tenha saído do armário com
tanta sede de ação. Cuidado com eles: tantas ganas reprimidas, quando
subitamente liberadas, desconhecem limites.
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