quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Em tempos turvos, saber navegar


Estas sentenças tais o velho honrado 
Vociferando estava, quando abrimos
As asas ao sereno e sossegado
Vento, e do porto amado nos partimos.
E, como é já no mar costume usado,
A vela desfraldando, o céu ferimos,
Dizendo: "Boa viagem", logo o vento
Nos troncos fez o usado movimento.

Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento,
E o mundo, que com tempo se consume,
Na sexta idade andava enfermo e lento:
Nela vê, como tinha por costume,
Cursos do sol quatorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,
Quando no mar a armada se estendia.

Já a vista pouco e pouco se desterra
Daqueles pátrios montes que ficavam;
Ficava o caro Tejo, e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam.
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E já depois que toda se escondeu,
Não vimos mais enfim que mar e céu.

Em alto mar "Assim fomos abrindo aqueles mares, 
Que geração alguma não abriu, 
As novas ilhas vendo e os novos ares, 
Que o generoso Henrique descobriu; 
De Mauritânia os montes e lugares, 
Terra que Anteu num tempo possuiu, 
Deixando à mão esquerda; que à direita 
Não há certeza doutra, mas suspeita.

(Camões, Os Lusíadas, Quinto Canto - Parte de Belém a Expedição de Vasco da Gama) 

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