Chamou-se 'Verão Quente', em Portugal do ano 1975, o período em que facções de direita e a Igreja Católica atuaram para impedir o curso da Revolução dos Cravos no sentido do seu aprofundamento ou - caso se queira - da sua 'radicalização'. Em resposta às expropriações e ocupações de terra, foram levados a cabo atos violentos, como atentados bombistas, contra a 'esquerda insurgente'. Esta reagiu na mesma moeda. Em função de variáveis diversas, a situação se estabilizou, não sem antes o país ter ficado na iminência da sua divisão, numa situação que, determinada forma, refletia a geopolítica mundial da época. Pois bem, neste ano de 2015, estamos nós, brasileiros, aqui pelos trópicos, com os prenúncios de um 'Verão Quente'. Diferente do caso português, não resulta de um processo revolucionário, mas do esgotamento e dos paradoxos do nosso sistema político, assente historicamente no patrimonialismo e na, até então, inanição dos órgãos da justiça em relação a determinados segmentos - situação que agora se modifica. Desse quadro, temos desdobramentos os mais diversos, e por vezes, digamos, marcadamente "peculiares". Dois exemplos nesse sentido:
1) A Presidente da República, que tem assegurado as investigações dos malfeitos (mesmo de pessoas do seu partido) e contra a qual até o presente não há imputação de ilícito, encontra-se sob séria ameça de ser deposta do cargo num processo comandado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, pessoa com um percurso envolto em casos de corrupção e que, no presente, está enredado no mar de ilicitudes reveladas pela justiça.
2) Apanhados no crime, acossados pela Polícia Federal, membros do partido do Vice-Presidente da República ficam zangados com... a Presidente, e pregam o rompimento com ela e a agilização da sua derrubada. O Vice-Presidente, já intitulado como 'capitão do golpe', distribui desfaçatez.
O lulismo, expressão que designa o modo de percepção e de ação difundidos pelo ex-Presidente Lula, tem responsabilidades na geração desse quadro político anômalo. Ajuntamento de partidos e grupos sem definição programática e nitidez político-ideológica, apenas o desejo de formar "maiorias" (falsas) para conquistar/manter o poder. "Azeitou-se" esse processo com barganhas e moedas de troca da esfera estatal. A recorrência à corrupção estrutural. Não se conseguiu perceber, no entanto, que o aparato regulador e judicial do país não era o mesmo de há 20/30 anos. E é este que tem tirado o sossego dos graúdos. Não é pouco significativo que uma das referências da Operação Lava Jato seja a Operação Mãos Limpas na Itália. O desassossego dos graúdos não é por acaso. A Presidente Dilma herdou esse "abacaxi". Para livrar-se dele ou pelo menos ganhar um pouco de sobrevida política (logrando êxito na difícil luta contra o impeachment), ao que parece, ela terá de cerrar fileiras em torno de algumas posições, como a continuidade do apoio às investigações, o respaldo das ruas e o afastamento da atmosfera degradada que o lulismo gerou. É preciso sepultar os monstros que nem a imaginação efervescente de Goya conseguiria antever. Mais do que o calor habitual, o nosso verão será quente.
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