Escrevi
aqui, no princípio do ano, quase na imediata comemoração pós-posse da
presidente Dilma para o segundo mandato, que seria apropriado os petistas
colocarem 'as barbas de molho', porque assistiríamos no país a uma espécie de
busca por um terceiro turno da eleição presidencial (uma terceira volta, em português d'além mar), que
poderia culminar na solicitação de impeachment. Recebi uma enxurrada
de mensagens (algumas inclusive de amigos dos 'velhos tempos') manifestando
contrariedade com a análise, e até mesmo (nas entrelinhas) sugerindo-se que era
uma abordagem resultante de juízo de valor. Na medida em que os meses foram passando, foi-se vendo
que não, e ontem, com a decisão do presidente da Câmara dos Deputados de
acolher o pedido de impeachment, ficou, por fim, demonstrado, amigos, que a
análise era, sim, resultado de um análise factual. No início da semana, em
comentário a um artigo do Prof. Aldo Fornazieri, abonando-o, também disse aqui que
a situação era grave, e que havia um risco de colapso institucional no país,
com consequências imprevisíveis, podendo resultar no descumprimento de despesas
públicas e em enfrentamentos de rua. O caos. Pois bem, com a decisão de
abertura do impeachment, há quem diga que estamos a adentrar neste cenário. É o
que faz, com um certo tom de alarmismo, convenhamos, o 'calejado' jornalista
Josias de Souza, ao dizer que 'o caos já começou' (aqui http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2015/12/02/quando-comeca-o-caos-atencao-ja-comecou/). Dê-se
um certo desconto a isso, afinal é na frieza da análise, no devido movimento
entre a instância lógica e a instância empírica, que o enfoque da análise social
se distingue da pura abordagem jornalística. O analista social não deve andar
em busca de popularidade fácil (isto fica para os populistas), procurando vender notícia ou agradar esta ou
aquela linha editorial. Por agora, o que se disser sobre os desdobramentos
da solicitação de impeachment da presidente Dilma deve ser inscrito sob o
registro do provisório. De qualquer forma, para já, pode-se afirmar o seguinte:
1)
É indisfarçável que a abertura do processo de impeachment é resultado de uma
chantagem do presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, por não obter o apoio de deputados do partido
da presidente no conselho de ética da instituição, que analisa a continuidade
da solicitação de cassação do mandato do deputado, por quebra decoro
parlamentar e o seu notório envolvimento com corrupção.
2)
A presidente é uma mulher digna, com biografia ilibada, contra a qual não há
nada nesses casos de corrupção, vindos a lume até agora, que desabone a sua
honestidade pessoal.
3)
Em tais circunstâncias, juntando-se estas duas variáveis, é claramente
perceptível que, se o impeachment prosperar, trata-se de um golpe e de uma
histórica injustiça política contra a presidente Dilma Rousseff. Ter-se-á um
homem enlameado na corrupção, investigado pela justiça brasileira e denunciado
por autoridades suíças, conduzindo a deposição de uma presidente pessoalmente
digna e honesta.
4)
Dessa situação toda, para quem “não desiste de pensar”, há ilações a tirar. Uma delas é que não
chegamos a este estado de coisas por acaso. Ele é resultado, em grande parte,
do modus operandi do ‘pacto lulista’ (ou do lulismo, como diz André Singer),
que durante cerca de uma década foi uma
espécie de grande guarda-chuva, juntando descriteriosamente todo os tipos de
interesse, sob o “azeitamento”, não poucas vezes, do espumado de palavras
populistas. Foi nessa atmosfera que os
graúdos hoje presos em Curitiba e o ‘correntista suíço’ Eduardo Cunha botaram
as garras na Petrobras. Esta é uma obra
do pacto conservador amalgamado com os laivos da esquerda populista, sob o
guarda-chuva do lulismo. O pacto que brandia uma imensa frente de partidos (de
direita, de esquerda, de centro, do que se imaginar...) e a existência de uma
base parlamentar de quase 400 deputados (num universo de 513). E, no entanto, o
segundo governo Dilma só fez acumular derrotas no parlamento, mesmo fazendo
concessões e distribuindo cargos. Resta saber, agora, se a presidente obtém
pelo menos 171 votos para não ser deposta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário