quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Manifestação do vício: a hipocrisia; sobre a solicitação de impeachment da presidente Dilma

Escrevi aqui, no princípio do ano, quase na imediata comemoração pós-posse da presidente Dilma para o segundo mandato, que seria apropriado os petistas colocarem 'as barbas de molho', porque assistiríamos no país a uma espécie de busca por um terceiro turno da eleição presidencial (uma terceira volta, em português d'além mar), que poderia culminar na solicitação de impeachment. Recebi uma enxurrada de mensagens (algumas inclusive de amigos dos 'velhos tempos') manifestando contrariedade com a análise, e até mesmo (nas entrelinhas) sugerindo-se que era uma abordagem resultante de juízo de valor. Na medida  em que os meses foram passando, foi-se vendo que não, e ontem, com a decisão do presidente da Câmara dos Deputados de acolher o pedido de impeachment, ficou, por fim, demonstrado, amigos, que a análise era, sim, resultado de um análise factual. No início da semana, em comentário a um artigo do Prof. Aldo Fornazieri, abonando-o, também disse aqui que a situação era grave, e que havia um risco de colapso institucional no país, com consequências imprevisíveis, podendo resultar no descumprimento de despesas públicas e em enfrentamentos de rua. O caos. Pois bem, com a decisão de abertura do impeachment, há quem diga que estamos a adentrar neste cenário. É o que faz, com um certo tom de alarmismo, convenhamos, o 'calejado' jornalista Josias de Souza, ao dizer que 'o caos já começou' (aqui http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2015/12/02/quando-comeca-o-caos-atencao-ja-comecou/). Dê-se um certo desconto a isso, afinal é na frieza da análise, no devido movimento entre a instância lógica e a instância empírica, que o enfoque da análise social se distingue da pura abordagem jornalística. O analista social não deve andar em busca de popularidade fácil (isto fica para os populistas),  procurando vender notícia ou agradar esta ou aquela linha editorial. Por agora, o que se disser sobre os desdobramentos da solicitação de impeachment da presidente Dilma deve ser inscrito sob o registro do provisório. De qualquer forma, para já, pode-se afirmar o seguinte:

1) É indisfarçável que a abertura do processo de impeachment é resultado de uma chantagem do presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha,  por não obter o apoio de deputados do partido da presidente no conselho de ética da instituição, que analisa a continuidade da solicitação de cassação do mandato do deputado, por quebra decoro parlamentar e o seu notório envolvimento com corrupção.

2) A presidente é uma mulher digna, com biografia ilibada, contra a qual não há nada nesses casos de corrupção, vindos a lume até agora, que desabone a sua honestidade pessoal.

3) Em tais circunstâncias, juntando-se estas duas variáveis, é claramente perceptível que, se o impeachment prosperar, trata-se de um golpe e de uma histórica injustiça política contra a presidente Dilma Rousseff. Ter-se-á um homem enlameado na corrupção, investigado pela justiça brasileira e denunciado por autoridades suíças, conduzindo a deposição de uma presidente pessoalmente digna e honesta.

4) Dessa situação toda, para quem “não desiste de pensar”,  há ilações a tirar. Uma delas é que não chegamos a este estado de coisas por acaso. Ele é resultado, em grande parte, do modus operandi do ‘pacto lulista’ (ou do lulismo, como diz André Singer), que durante cerca de  uma década foi uma espécie de grande guarda-chuva, juntando descriteriosamente todo os tipos de interesse, sob o “azeitamento”, não poucas vezes, do espumado de palavras populistas.  Foi nessa atmosfera que os graúdos hoje presos em Curitiba e o ‘correntista suíço’ Eduardo Cunha botaram as garras na Petrobras.  Esta é uma obra do pacto conservador amalgamado com os laivos da esquerda populista, sob o guarda-chuva do lulismo. O pacto que brandia uma imensa frente de partidos (de direita, de esquerda, de centro, do que se imaginar...) e a existência de uma base parlamentar de quase 400 deputados (num universo de 513). E, no entanto, o segundo governo Dilma só fez acumular derrotas no parlamento, mesmo fazendo concessões e distribuindo cargos. Resta saber, agora, se a presidente obtém pelo menos 171 votos para não ser deposta. 

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