Por Helena B. Nader
(UNIFESP; Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência)
Os
acontecimentos envolvendo a instituição da Universidade pública brasileira
neste ano trouxeram ao menos um saldo positivo – o questionamento amplo e
irrestrito sobre os equívocos e acertos do modelo da educação superior que
adotamos ao longo de quase um século do início da instituição de universidades
no Brasil. O questionamento tornou-se tão presente em nossa realidade recente,
que uma rápida busca no Google com o título escolhido acima para este artigo,
apresentou quase 9 milhões de possíveis respostas, soluções, caminhos, entre
trabalhos acadêmicos, resultados de grupos de pesquisa exaustiva, até
palpiteiros de toda sorte.
Não há dúvidas que tivemos acertos, fáceis de detectar.
Nossa Universidade é jovem e, sobretudo nas últimas décadas, espalhou-se pelo
País, pelos estados e municípios, constituindo um sistema onde podemos
identificar ilhas de excelência. E nos últimos anos tornou-se mais inclusivo e
acessível às camadas mais carentes da população brasileira. O sistema, aliado
ao ensino, abraçou a extensão e a pesquisa, levando o Brasil a ser listado
entre os países que mais publicam trabalhos acadêmicos no mundo. No entanto, o
modelo indica exaustão, pois a lista de desacertos é muito maior e mais
complexa.
O resultado que temos hoje de um sistema de educação
superior público conturbado por greves, manifestações de toda sorte, carência
de recursos financeiros e humanos, e ainda longe de ser amplamente acessível,
tem implicações históricas que, em resumo, advêm da ausência crônica de
definição de modelos estratégicos de uma universidade voltada, sobretudo, a
contribuir com o desenvolvimento social e econômico do País.
Nossa universidade, de fato, nasceu para as elites e
assim foi por muitas décadas. O acesso à universidade pública no Brasil por
muito tempo ficou restrito aos estudantes que tiveram acesso a uma boa educação
na infância e adolescência. Mas é preciso dizer que os menos favorecidos
continuam, em grande maioria, a ter uma educação básica deficiente. De maneira
perversa, para dizer o mínimo, nosso sistema de educação básica, cuja qualidade
deveria ser de inteira responsabilidade do Estado, descambou nas últimas décadas
a um estágio inadmissível a qualquer nação que queira sair realmente da
pobreza. A melhoria do ensino básico público e universal, a nosso ver, é um
ponto estratégico de partida para iniciarmos um caminho que nos leve à
Universidade com excelência intelectual e imbricada na sociedade, em todas as
suas camadas.
E quanto ao modelo de Universidade a ser seguido? A
complexidade da sociedade brasileira, o tamanho do território e sua diversidade
nos leva a crer que o ideal mesmo seria termos um modelo com diversas
inspirações, adequado à nossa realidade. Tivemos alguns exemplos que deram
muito certo. Na década de 1930 a sociedade paulistana criou o IPT para
desenvolver materiais necessários à industrialização e, sem dúvida, o Instituto
contribuiu em grande parte com o desenvolvimento de São Paulo. Quando foi
criado o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos
(SP), na década de 1950, a inspiração foi o MIT (EUA), porque se queria
desenvolver um parque tecnológico aeroespacial no País. E foi o que aconteceu.
Existem outros bons exemplos. No entanto, não temos um modelo ou um sistema que
atenda a todas as principais demandas nacionais.
Os Estados Unidos têm as oito universidades privadas do
nordeste que constituem a Ivy League, instituições tradicionais como as
universidades de Harvard, Cornell, Yale e as outras, na maioria criadas no
século XVIII e que permanecem como um esteio sólido para a formação de
lideranças. Estão no topo de rankings mundiais. Outro grupo robusto de
universidades americanas de classe mundial, reunidas na Universidade da
Califórnia (Los Angeles, Berkeley, San Diego, entre outras), mantidas pelo
estado, e a Universidade de Stanford, são bem mais jovens e foram o berço da
pesquisa tecnológica de ponta que levou os EUA a tornar-se a potência militar
que é, como também a potência no campo das tecnologias de informação e
comunicação, que floresceu no Vale do Silício.
Na Europa o modelo mais bem sucedido (e entre os mais
antigos na história mundial) segue sendo a dupla constituída pelas
tradicionalíssimas Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra que,
embora rivais entre si, também estão no topo dos rankings globais. Responsáveis
pela formação de lideranças, grandes cientistas e intelectuais de alcance
internacional. E mais recente temos o modelo da Coreia do Sul, competitivo e
orientado para a inovação em indústrias de tecnologia de ponta.
Não há um só modelo a copiar. Podemos buscar inspirações,
como temos feito desde o início da história da Universidade no Brasil. Mas
precisamos adotar um modelo que tenha tentáculos suficientes para abarcar todas
as grandes demandas da nossa sociedade. Um sistema público de ensino superior
que seja de fato inclusivo, mas que tenha qualidade acima de tudo. Porém não
podemos mais continuar nos enganando. Não há educação de qualidade se não
houver excelência.
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Fonte: Jornal da Ciência, versão impressa, edição 764, dezembro de 2015. Título original: 'Que universidade queremos?'
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