quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Não perguntem por quem os sinos dobram; eles dobram por Mariana

Para uma reflexão sobre meio ambiente, 'desenvolvimento insustentável' capitalista e governo. Enquanto as conferências do clima, realizadas há anos mundo a fora, não passam de faz de conta. Quando muito têm servido para turismo de evento e acadêmico. 

Lama da mineradora Samarco em Mariana (MG) se espalha pela foz do rio Doce na praia de Regência em Linhares (ES)
"Lama" da mineradora Samarco, em Mariana (MG), se espalha pela
 foz do rio Doce na praia de Regência em Linhares (ES)
(Foto: Fabio Braga, Folhapress) 

Por João Lara Mesquita 

O desastre de Mariana, possivelmente, é o pior acidente ambiental brasileiro. Além de soterrar comunidades, matando 11 pessoas, e deixando 8 desaparecidos até agora, provocou a morte do rio Doce.
O Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), de Baixo Guandu (ES), analisou a água do rio e encontrou metais pesados: chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio.
"O rio está morto, o cenário é o pior possível", disse Luciano Magalhães, diretor do Saae. Morte anunciada em razão de uma legislação frouxa e inexistência de fiscalização.
Além da Samarco, propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, o governo federal também deveria ser punido; afinal, a responsabilidade é dele.
O Código de Mineração, no capítulo 2º, artigo 21º, inciso 24, estabelece que "compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho".
Já o capítulo 1º, artigo 174, é claro: "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado".
Infelizmente, como denuncio em meu trabalho, a ausência de fiscalização é unânime em todas as comunidades nativas do litoral.
A Folha noticiou, em junho passado, que o principal órgão de controle ambiental do governo federal, o Ibama, tem apenas três barcos em atividade para fiscalizar os mais de 7.300 km do litoral brasileiro.
Em entrevista para o site "Mar sem Fim" (www.marsemfim.com.br), Maria Tereza Jorge Pádua, um dos ícones do ambientalismo brasileiro, sentenciou: "o meio ambiente nunca foi prioridade no Brasil".
Alguém duvida?
Fui aos sites. Descobri que a "missão" da Vale é "transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável". Desconfio de quem se diz "verde", "sustentável", "eco isso ou aquilo". Cansei de ver a destruição do litoral por empresas que abusam do jargão.
De toda forma, continuei a leitura. A Vale lista no site seis valores que norteiam a atuação da empresa. O primeiro e o terceiro foram duros de engolir. Respectivamente, "a vida em primeiro lugar" e "cuidar de nosso planeta". Argh!
O pior estava por vir. Vasculhando sobre a BHP, a casa caiu. O governo federal foi tão omisso que não se preocupou com o histórico de acidentes da empresa.
A BHP Billiton, ao contrário de Midas, tem dedo podre. Acidentes graves são frequentes onde atua. Um dos piores aconteceu em Papua-Nova Guiné, ao abrir uma mina de ouro e cobre, a OK Tedi Copper Gold Mine, em 1984.
Durante 20 anos despejou, dia após dia, 80 mil toneladas de rejeitos contendo cobre, cádmio, zinco e chumbo, diretamente na bacia do rio Fly, o que arruinou terras de milhares de agricultores, envenenando 2.000 quilômetros quadrados de floresta. E detonou dois rios, o Fly e o Ok Tedi.
Para fugir das responsabilidades, assinou acordos com líderes comunitários, que isentaram a empresa do pagamento de indenizações.
ONGs informaram que "ao conversarem com os nativos, ficou claro que eles não sabiam o que estavam assinando". O histórico da BHP gerou um relatório alternativo, "BHP Billiton Dirty Energy", informando sobre a destruição de comunidades na Colômbia, acidentes na Indonésia e Austrália.
Já o "Mining Journal" cita outros, como o da mina de cobre em Pinto Valley, Arizona (EUA).
Só o Brasil oficial não sabia?
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 02/12/2015. Título original: 'Só o Brasil oficial não sabia?'


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