sábado, 26 de dezembro de 2015

Disfarce disfarçado: segurança

O universo de Logan Zillmer
O universo de Logan Zillmer

 Por Christoph Türcke

Mas nós ainda não chegamos lá. Primeiramente Nietzsche mostrou de modo ineludível sobre que a consciência tem de se enganar para poder ser consciência: sobre o fato de que ela não é o centro do mundo, tal como ela se põe; não é o puro espírito, na qualidade do qual ela age. Agora, porém, vem a consequência: sendo cheia de tais defeitos, ela não pode em todo caso ser aquilo por que foi tida desde os tempos mais remotos, e com maior razão na filosofia: órgão da verdade. Então, o que é ela? Poesia! Responde Nietzsche, e nos dá uma primeira amostra daquilo que ele mais tarde irá chamar “transvalorização de todos os valores”. Entre sujeito e objeto não há nenhuma causalidade, nenhuma adequação, nenhuma expressão, mas, quando muito, uma relação estética, ou seja, uma transposição alusiva, uma tradução balbuciante em uma linguagem totalmente estranha – para isto, porém, precisa-se ter uma esfera e uma força intermediárias que livremente poetizam e inventam. O intelecto, este sonhador que sonha não sê-lo, malogra até mesmo por não saber sequer da grande força que reside em sua fraqueza, a saber: Apenas através do esquecimento daquele primitivo mundo metafórico, apenas através do endurecimento e enrijecimento de uma massa imagética originária, fluindo em impetuosa liquidez da capacidade básica da fantasia humana, apenas através do fato de o homem se esquecer como sujeito, e notadamente como sujeito artisticamente criativo, é que ele vive com alguma tranquilidade, segurança e consequência: se ele pudesse sair apenas por um momento das paredes que o aprisionam nesta crença, então imediatamente desapareceria sua autoconsciência. Autoconsciência significa aqui autorreflexão quanto à autocerteza. Nietzsche não conhece a separação de ambos: aquele venerável empreendimento que se chama desde Aristóteles   'pensamento do pensamento' nunca foi aquilo pelo que foi tomado. No auto-asseguramento sobre o ente enquanto ente, sobre os primeiros princípios e as supremas causas, sobre o pensamento em si e sua capacidade de ser o mais agradável e melhor, em suma, em todo o esforço intelectual da filosofia, jamais o motor foi uma pura inclinação para a verdade, mas sempre o impulso para a segurança. Autoconsciência é meramente o estado da alma no qual ela ganhou firmeza, consistência e verdade, é meramente seu nome para aquilo que é capaz de lhe conferir suporte. Pois, o que as pessoas querem ao quererem conhecer? Nada mais que isto: que algo “estranho” seja reconduzido a algo conhecido. E nós – será que entendemos por conhecimento propriamente algo mais, não será nossa necessidade de conhecer exatamente esta necessidade de algo conhecido, a vontade de descobrir em meio a tudo que é estranho, insólito, questionável, algo que não mais nos inquiete? Não seria o júbilo do conhecer exatamente o júbilo pelo sentimento de segurança (re)conquistado?
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Do original alemão ‘Der tolle Mensch – Nietzsche und der Wahnsinn der Vernunft'. Tradução de Daniel Sant’Anna e Rosane Guedes. 

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