José Antonio Dias Toffoli (Ministro do Supremo Tribunal Federal)
Jorge Miranda (Professor da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa)
Otávio Luiz Rodrigues Júnior (Professor da Faculdade de Direito da USP)
O
ano de 1815 foi marcado pela derrota definitiva de Napoleão Bonaparte na
Batalha de Waterloo e pela restauração das antigas dinastias reinantes na
Europa, derrubadas pelas legiões imperiais.
Um acontecimento de extrema importância para
história brasileira também se deu em 1815, embora não seja muito conhecido.
Neste dia 16 de dezembro, há 200 anos, dom D. João 6º criou o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves, elevando a então colônia brasileira à condição de
parte de uma união real com a metrópole.
Esse arranjo jurídico-político foi conservado
com a Constituição portuguesa de 1822, segundo a qual essa nação compreendia
"a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios" (art.20). A
iniciativa de dom João 6º atendeu às aspirações brasileiras e à reafirmação da
legitimidade dinástica dos Bragança no marco do Congresso de Viena, onde a
Europa se reorganizava sob a liderança austro-russo-britânica.
A estrutura jurídica do Reino Unido luso-brasileiro
era extremamente sofisticada, especialmente em comparação com experiências
congêneres como o Reino Unido da Grã-Bretanha e da monarquia dual
austro-húngara, esta última criada apenas em 1867.
Eram órgãos comuns do Reino Unido o monarca,
as Cortes e o Conselho de Estado. O Brasil passou a ter direito de eleger
deputados às cortes, além de ter representantes no Conselho de Estado, uma
espécie de Senado Federal, com representação paritária das províncias europeias
e ultramarinas.
No Brasil, funcionaria uma delegação do Poder
Executivo, confiada a uma regência, com 5 membros, equivalentes a ministros da
Justiça, da Guerra, da Marinha, da Fazenda e do Interior. O Supremo Tribunal de
Justiça seria a mais alta expressão do Poder Judiciário no Brasil.
Adam Smith, ao seu tempo, propugnara que a
Grã-Bretanha e as 13 colônias se organizassem sob a forma de um reino unido e,
com o tempo, haver-se-ia de trasladar a sede real do poder para a América.
Dom João 6º talvez possuísse idêntico
objetivo, o qual não foi exitoso graças às disputas entre deputados
portugueses, temerosos quanto ao futuro da monarquia una, e brasileiros, que
pretendiam avançar ainda mais nesse compartilhamento de poder, ao exemplo do
exercício da função legislativa no Brasil com a alternância da sede da realeza.
Esses deputados brasileiros, educados em
Coimbra, reconheceram-se como parte de uma nação e, com a prevalência das
forças unitaristas entre os portugueses, terminaram por dar o apoio fundamental
à ruptura política de 7 de setembro de 1822, com a declaração de independência
de dom Pedro 1º.
Ao se divisar esses acontecimentos, para além
da consciência da riqueza de nossa história comum e de nossa experiência
jurídica, é importante realçar a força dos laços entre Brasil e Portugal.
Não como reminiscências cordiais de dois
povos irmãos, mas com a preocupação em tornar esses vínculos mais eficazes e em
se buscar meios de aproximação econômica e política entre essas nações, sob o
império da igualdade e da fraternidade.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 16/12/2015
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