Por Paulo Moreira Leite
Vários fatores podem
explicar o esvaziamento dos protestos a favor do impeachment no último domingo.
Minha explicação favorita é o efeito-Eduardo Cunha.
Explico.
Mesmo em política, toda farsa tem limites, até no Brasil e apesar do monopólio
dos grandes meios de comunicação.
Foi
o que lembraram os editoriais da Folha e do Globo, no fim de semana, dizendo
que o tempo de Cunha se esgotou e é hora de livrar-se dele. Dirigindo-se a seus
leitores, os dois veículos falaram, em particular, a um público mais especial
-- o Judiciário, a quem cabe a incumbência de providenciar o afastamento de um
chefe de poder que contamina o Estado brasileiro com sucessivos atos de delinquência.
Os
editoriais informam que tanto o PGR Rodrigo Janot quanto o ministro Teori
Zavaski, do STF, terão respaldo de pelo menos dois dos três mais
influentes grupos de comunicação do país para agir contra Cunha -- seja lá qual
for o caminho legal encontrado.
A
questão não é ética, mas política: o presidente da Câmara tornou-se um aliado
inconveniente. O preço de manter uma aliança com ele, submetendo-se à sua
melodia e suas regras, tornou-se muito alto e pode comprometer o que realmente
importa -- você sabe de quem e do que estou falando, certo?
Comandante
em chefe da tentativa de impeachment numa etapa importantíssima, a passagem
pela Câmara de Deputados, Eduardo Cunha é, conforme as pesquisas de opinião, o
símbolo maior da corrupção política no país. Bela contradição, vamos combinar.
O
parlamentar responsável pelo recebimento de um pedido de impeachment
fraquíssimo, pois não apresenta provas materiais de envolvimento da presidente
da República em crime de responsabilidade, possui três contas na Suíça, em seu
nome ou de familiares. Foi pessoalmente envolvido em denúncias de propina na
Petrobras. Mentiu para seus colegas quando prestou depoimento ao Conselho de
Ética. No esforço para salvar a própria pele, submeteu um dos três poderes da
República a uma sequência de manobras inescrupulosas e inaceitáveis, na semana
passada.
Há
duas semanas, depois que se tornou impossível manter o currículo de
Cunha em segredo -- para os profissionais, nada do que se disse ou ouviu por
esses dias chegava a ser novidade real --, a oposição havia desistido de avançar
o impeachment pela Câmara. A opção era seguir a batalha no Tribunal Superior
Eleitoral, onde é possível contar Gilmar Mendes. Isso explica a indignação --
de curta duração, diga-se -- de líderes do PSDB e do DEM diante das
"provas" contra Cunha.
Nos
últimos dias, assistimos a uma sequência de movimentos. Mesmo a contragosto e
sem muita convicção, pois previa uma reação selvagem por parte de Cunha, a
bancada do Partido dos Trabalhadores anunciou que votaria contra ele no
Conselho de Ética, oferecendo três votos necessários para que o processo
pudesse seguir adiante.
À
frente de uma máquina que lhe deve, literalmente, toda lealdade que a política
pode pagar, Cunha fez aquilo que o PT temia e até uma criança podia imaginar:
virou o jogo.
A
retaliação de Cunha era previsível e frequentava vários pesadelos políticos.
Mais surpreendente, pela rapidez, foi a súbita virada da oposição, que não
demorou a providenciar primeiros socorros a um paciente que já se encontrava na
UTI de nosso sistema político. Esquecendo a veemência da véspera, seus
lideres deram a Cunha todo o respaldo político de que necessitava. Salvaram o
presidente da Câmara, fornecendo votos inclusive para um rito de encaminhamento
do impeachment tão oportunista que acabou derrubado, por liminar, pelo ministro
Edson Fachin, do STF.
O
fato é que, capaz de engajar-se a fundo na queda de uma presidente eleita com
mais de 54 milhões de votos apenas para a salvar o pescoço, Cunha tornou-se
diretor de um espetáculo deprimente, que ninguém quer assistir até o final --
até porque é impossível saber como irá terminar.
Ontem,
quando Faustão levou para o palco estrelas da TV Globo para perguntar seus
desejos para 2016, não faltaram críticas ao Congresso. Fernandinha Torres pediu
que o Conselho de Ética, bloqueado por Cunha e seus aliados, saísse da
paralisa. Com a franqueza de sempre, Tonico Pereira falou da
"quadrilha"que comanda os trabalhos no Congresso.
Foi
possível ver, em pelo menos uma passeata pelo impeachment, um boneco de Eduardo
Cunha, como se fosse um alvo a ser abatido. Desinformação grave. Do ponto de
vista prático da política brasileira em 2015, Cunha é aliado da turma -- e não
adversário.
Do
ponto de vista de quem é contra o impeachment, a partir da visão de que não há
um fiapo de prova contra a presidente, eu acho prematuro considerar que os
protestos de ontem sejam o sinal de que o pesadelo de um golpe contra o Estado
Democrático de Direito esteja encerrado.
A
articulação para afastar a presidente eleita não é obra de militantes de camisa
verde amarela e argumentos que contrariam valores e regras fundamentais
da Constituição. Seu horizonte é uma tentativa de interromper de qualquer
maneira o processo de mudanças positivas realizadas no país a partir de 2003,
que, com todos os seus limites e imperfeições, abriu um período distribuição de
renda e melhoria para as camadas superexploradas da população.
Não
se trata de um movimento isolado, como se vê pela Venezuela, pela Argentina.
Não
se trata de um pequeno troféu -- mas da sétima economia do mundo, uma posição
de liderança inegável para os países situados abaixo do Rio Grande.
Este
é o combate, que está longe de terminado, em minha opinião. Dilma enfrenta
pressões gigantescas dos adversários e, como é notório, de falsos aliados
internos, que já foram recrutados para o serviço. A sabotagem contra seu futuro
é permanente e descarada.
Parte
das dificuldades, no entanto, pode ser atribuída ao próprio governo.
Até
agora, Dilma não foi capaz de oferecer a seus aliados, aqueles que garantiram
sua vitória numa campanha que esteve perto da carnificina, a esperança de que
vale a pena defender seu governo -- não porque seja perfeito, mas porque não se
conhece, nas mercadorias em oferta no país real, uma alternativa melhor para a
maioria dos brasileiros.
Esse
é o ponto. Com mudanças na política econômica que aumentaram o desemprego e a
inflação, e até agora não trouxeram nenhum dos benefícios imaginados, o governo
deixou de ser reconhecido pelos seus próprios defensores. Enquanto
permanecer nesta situação, o caminho estará aberto para a aventura e a
desfaçatez.
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Fonte: http://www.brasil247.com/
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