Por Leonardo Sakamoto
(Professor da PUC-SP)
As pessoas desistiram de
checar a informação que consomem.
Na
verdade, nunca fizeram isso, mas antes a procedência era de veículos, grandes
ou pequenos, tradicionais ou alternativos, que davam a cara para bater,
garantindo transparência ao informar quem fazia parte de suas equipes e sua
visão de mundo. Esses veículos são bons, honestos e ilibados? Afe! Não
necessariamente. Mas, ao menos, podem ser questionados judicialmente em caso de
propagação de mentiras.
Conteúdo
anônimo, sem assinatura, segue ganhando força na rede. Não raro, escondem-se
sob a justificativa de que estão fugindo de possível represálias porque
representam grupos perseguidos. Mas uma grande parte permanece nas sombras para
produzir munição para uma guerra virtual por corações e mentes que você
pode não ver, mas está aí.
Esses
sites e contas em redes sociais, sejam eles progressistas ou
conservadores, valem-se de algo que os jornalistas teimam em ignorar, pois bate
de frente com [a] visão sagrada que têm de seu ofício: para muitos leitores,
não faz diferença se uma informação é verdadeira ou falsa, não faz diferença um
esforço hercúleo de reportagem. Quando o conteúdo vai ao encontro do que essa
pessoa acredita, ela não se importa se é mentira ou não e vai abraçar o
argumento e difundi-lo.
Pois
o importante não é construir coletivamente significados e alternativas, mas
vencer um debate que pode estar atrelado à manutenção de seus próprios
privilégios, dos privilégios de uma classe social, de velhas tradições ou
simplesmente para vencer um debate com um amigo pelo prazer de vencer.
Isso
atinge conservadores ou progressistas, todos que façam parte do debate público.
Mas uma coisa é estar exposto ao justo escrutínio de ideias e ser
criticado por elas – o que faz parte do jogo. Outra coisa é a difamação.
Por exemplo, textos e memes que atribuem frases que nunca foram ditas para
tentar minar a credibilidade fluem loucamente pela rede. São de consumo fácil. Conversei
com uma pessoa que trabalhava em campanhas digitais e era responsável por
formar opinião em redes sociais. Ela me explicou que o objetivo de pôr um meme
falso para circular não é tanto mudar a ideia de quem concorda com a pessoa que
é alvo da campanha de difamação, mas municiar de argumentos e fortalecer a
identidade de quem não concorda. E, ao mesmo tempo, tentar criar uma
dúvida razoável em quem fica na zona cinzenta. Para isso, adotava uma
fórmula mais ou menos assim:
1)
Escolha uma foto da pessoa a ser difamada;
2)
Coloque como título um questionamento à credibilidade/honestidade/competência
da pessoa. Prefira programas de edição de imagens porque o resultado é melhor
mas, se não for possível, use um gerador de memes mesmo;
3)
Na base da imagem, invente uma declaração que a pessoa nunca disse e que mostre
sua incoerência ou atribua algo a ela. Atenção: seja sutil. Não coloque uma
declaração conservadora em uma pessoa progressista e vice-versa porque notarão
que é coisa forjada. Utilize algo que o cidadão comum, pouco informado,
consideraria verossímil;
4)
Publique o meme nas redes sociais, precedido de um comentário desabonador sobre
a pessoa ou exija, de forma indignada, uma resposta dela sobre a mentira com
cara de verdade que você acaba de criar. Ridicularize;
5)
Certifique-se que o meme será compartilhado. Se você controlar várias contas
anônimas em redes sociais, compartilhe em todas elas. Marque outros sites que
fazem serviço semelhante ao seu para que possam difundir também, dando
credibilidade à ação. Para isso, é sempre bom ter uma rede de contatos ativa.
Hoje ele te ajuda, amanhã você o ajuda.
“Não
adianta vocês tentarem combater um meme ou uma notícia falsos com informação
correta porque muitas pessoas não estão nem aí. Elas querem algo para apoiar
sua visão de mundo e não se importam muito se é verdade ou mentira'', afirmou
minha fonte que, por razões óbvias, terá a identidade preservada. Em
outras palavras, estamos perdendo a guerra para os boatos.
Tenho uma coleção de memes
produzidos para me atacar e todos seguem mais ou menos modelo. Alguns são
engraçados, outros violentos, mas todos têm a mesma cara-de-pau de inventarem
algo. Alguns não valem o processo judicial, mas outros sim. Não pela censura,
sou contra isso. Mas pela possibilidade de descobrir quem controla os sites que
se vangloriam por serem anônimos e seus interesses, mas ameaça a integridade
física das pessoas nas redes sociais.
Como
saber se uma informação está incorreta? Bem, às vezes você não tem como saber
de antemão, por isso é importante checar sempre, independente da fonte. Ou,
pelo menos, procurar a sua origem – onde foi dito isso, quando e em que
circunstância – de forma a não propagar boato. Separar joio do trigo
demanda gente bem informada e, mais do que isso, bem formada. Que consiga olhar
para algo e nele cravar um ponto de interrogação ao invés de exclamação.
Isso
talvez seja um dos maiores desafios que teremos nos próximos anos. O futuro de
um mundo em que todos possuem ferramentas de comunicação em massa ao seu
alcance, mas não se importam necessariamente se o que passam adiante foi
coletado e produzido com um mínimo de cuidado ou não, passa por uma educação
para a mídia, como sempre martelo por aqui. Por ensinar crianças e jovens a
saberem ter responsabilidade sobre o conteúdo que repassam. Grandes poderes
trazem grandes responsabilidades, já diria o Tio Ben.
Se
você é daqueles que não leem coisa alguma e dizem que não tem tempo, nem
paciência para isso, e, além do mais, acham que senso crítico é uma besteira,
mas adoram curtir, compartilhar e retuitar tudo o que passa pela frente, feito
um chimpanzé com câimbra, por favor, dedique-se apenas à divulgação de tumblr
de gatinhos que se assustam com mordidas de tartarugas, fotos de pugs em
fantasias vexatórias para a alegria de seus donos e memes com lições de vida de
alguém que passou por uma grande provação e tem o objetivo de levar às
lágrimas.
Mas
abstenha-se de transmitir informação.
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Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/. Título original: 'Você não crê em Papai Noel. Mas acredita em memes anônimos'.
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