Do Blog S & A - Crônicas e Contos:http://sinceroseabusados.com/
Ela
estava sentada em uma pequena mesa perto da janela, à sua frente estavam papel,
caneta e uma pequena rua movimentada. Suspirou. Olhos entreabertos,
faltavam-lhe forças para mantê-los altivos, as únicas forças que lhe restavam
seriam usadas para escrever um bilhete endereçado à ninguém.
Suspirou
outra vez. Não sabia por onde começar, talvez devesse iniciar pelo motivo que a
estava impelindo a escrever a carta. Começou assim, “Talvez hoje seja uma das
noites mais frias do ano, na rua à minha frente algumas pessoas andam
demoradamente, enquanto outras andam rapidamente para fugir do frio. Eu seria
uma das pessoas que andam demoradamente, iria apreciar cada fagulha de frio
atravessando meu ser, congelando meus ossos e o meu coração. Deitaria no chão e
deixaria lentamente que o meu calor se esvaísse, tornando-me apenas um corpo
congelado no chão.
Querido
papel, você é tudo o que me restou. Eu deveria estar rindo dessa situação,
afinal você ainda é alguém, mas não estou. Fazem dias que meus únicos
companheiros são as pessoas que passam por essa rua, e eu estive pensando sobre
a minha curta vida. Não tenho mais que vinte e poucos anos e já estou
demasiadamente cansada para continuar. Você pode pensar, mas você ainda tem
olhos para ver, e força para segurar uma caneta, não há do que reclamar. A questão
é que eu não tenho nada a perder. As pessoas viviam antes de eu aparecer,
continuaram vivendo enquanto estive aqui e continuarão vivendo quando eu não
mais estiver aqui. Quem sabe encontrem-no sobre a mesa quando vierem cortar a
luz e água que não foram pagas, ou quem sabe interditarem a casa. Bom, pode ser
que ninguém o encontre, mas isso não faz diferença, a questão é que você é o
único que vai conhecer os meus reais motivos.
Eu
sou como você, pálida e solitária, sem uma história para contar. E ninguém tem
força suficiente para escrever histórias em mim, nem eu mesma. Mas o segredo
que quero lhe contar não é esse, o segredo é que depois que você viveu tudo o
que quis não há razões para continuar. Eu já não tenho mais nada a perder, a
não ser entregar-me para a brevidade da vida, uma vida que bebi até a última
gota, mas que já não me satisfaz”.
Garis
encontraram a carta caída numa pequena rua movimentada. Nunca saberão o que
houve antes ou depois, nunca saberão quem era a moça. Quem sabe nunca tenham a encontrado,
porque ela nunca esteve perdida. Sem nome ou data, ninguém.
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