Dos tempos em que trabalhei na UFPE, esse era um diálogo que tinha com frequência com alunos de ciências biológicas (Campus de Vitória) e Nutrição (pós-graduação em Recife). A formação de estudantes-pesquisadores. Um desses alunos repassa-me, por e-mail, um texto a respeito desse tema (grato, Thomas), que a seguir reproduzo. O autor escreve a partir do contexto das ciências biológicas, mas as teses básicas do artigo são válidas para todas as áreas, sobretudo para as ciências humanas, onde ultimamente tem-se verificado uma significativa distorção em torno da atividade de pesquisa, que vai da banalização (tudo é mostrado como "pesquisa", até buscas no Google) a uma confusão despropositada com as ações de extensão, ocorrendo de, não raro, se substituir a formação dos estudantes por um outro papel a ser desempenhado por eles, qual seja: servir de mão de obra gratuita em inciativas outras.
Por Marco Mello (UFMG)
Partindo do começo. Para planejar
um trabalho cientifico relevante, primeiro é preciso escolher uma
área de pesquisa (Ecologia, Evolução, Sistemática, Comportamento etc.) e se
familiarizar com as teorias existentes
nela, tanto as mais gerais, quanto as voltadas
para um táxon específico. Somente dessa maneira você poderá detectar
as lacunas de conhecimento que existem e propor um trabalho
original para resolver alguma questão nova e interessante. Sem
a ajuda de um bom orientador experiente na área, é praticamente impossível
fazer isso direito, a menos que a pessoa seja um gênio autodidata (quantos o
são?). Só “descrever por descrever” ou “comparar por comparar” não são
justificativas aceitáveis para a realização de um projeto científico que
realmente vá avançar o conhecimento e não chover no molhado. É
muito difícil se tornar um bom cientista, sendo que este é um
caminho para poucos e via de regra só se saem bem aqueles que contam com bons
mentores.
Além disso, se você pesquisar animais, caso não
aprenda o ofício com um orientador experiente no táxon, não receberá o
treinamento prático necessário. Isso resultará nos seguintes problemas: (1)
você não terá um rendimento adequado no campo ou no laboratório, provavelmente
fazendo muito mais esforço (tempo e dinheiro) do que seria necessário, ou até
mesmo não obtendo dados
suficientes ou adequados para responder suas perguntas;
(2) você acabará submetendo os animais a um estresse desnecessário, porque não
vai manipulá-los da maneira correta; (3) você não saberá identificar os animais
corretamente, pois isso é muito mais difícil do que parece e demanda boa
experiência com o táxon; (4) se tiver que coletar animais para fazer uma
coleção-testemunho, provavelmente não os fixará da maneira adequada, e o
material acabará se deteriorando muito rápido; (5) se for lidar com animais que
transmitem doenças, acabará fazendo os procedimentos de segurança da forma
errada, pondo sua vida em risco (por exemplo, ao trabalhar com
morcegos-vampiros infectados com a raiva).
Fora esses problemas, você tampouco terá acesso os
contatos importantes que um bom orientador pode fornecer e, provavelmente, terá
mais dificuldade em formar uma boa rede social que te ajude a se desenvolver
como cientista. Colegas nos abrem muitas portas e nos ensinam muito.
Então como você pode encontrar um bom orientador?
Converse com colegas mais experientes e que tenham competência reconhecida pela
comunidade científica. Pergunte a eles quem entende do que e onde
trabalha. Fora isso, freqüente congressos científicos e procure conhecer
seus pares. Faça também pesquisas na Plataforma Lattes do CNPq.
No caso de orientadores que trabalham fora do Brasil, consulte redes sociais
como LinkedIn, Mendeley, Academia, ResearchGate e ResearcherID.
Nessas plataformas você pode usar palavras-chave relacionadas aos assuntos que
lhe interessam, de modo a descobrir quem trabalha com qual assunto, com qual
táxon, em qual instituição e em qual cidade. Tenha em mente que é preciso
avaliar dois lados do potencial orientador: o lado cientista e o lado formador
de cientistas.
Com relação ao lado
cientista do potencial orientador, o melhor mesmo é ler os trabalhos
dele e ver o que tem estudado, o que tem descoberto, que tipo de linha
segue, como exatamente as pessoas citam seus trabalhos (usando como ponto de
partida para os seus próprios trabalhos, elogiando, criticando ou apenas
listando), e que tipo de reputação ele tem na comunidade. Caso você não
tenha acesso a tantas informações, você pode avaliar o potencial orientador de
duas formas indiretas, usando as redes sociais já mencionadas, além dos
buscadores científicos Web of Science e Scopus:
(1) veja se ele tem publicado artigos sobre o tema que lhe interessa e em quais
revistas, e (2) veja quantas citações os artigos desse cientista têm recebido.
Quanto melhor for a revista (considerando escopo, prestígio, circulação,
acessibilidade e fator
de impacto), provavelmente melhor deve ser o artigo; contudo, a
relação entre a qualidade da revista como um todo e de cada artigo
individual não é perfeita. Por isso, em geral, é interessante olhar as citações
recebidas por cada artigo em si. Contudo, lembre-se de que indiretas de
qualidade, como índices cienciométricos, quebram um galho, mas não contam toda
a história.
O lado formador de cientistas é bem mais
difícil de ser avaliado. Você deve procurar um profissional que dedique atenção
à formação acadêmica dos alunos, que dê autonomia para eles pensarem sozinhos e
que fique feliz com o sucesso deles. Fuja daqueles que apenas botam alunos para
fazer trabalho braçal, que orientam dezenas de pessoas ao mesmo tempo e só vêem
cada uma delas uma vez por ano, ou que vivem podando os alunos mais brilhantes.
Evite a todo custo aqueles que se colocam num pedestal, pois geralmente eles
não são tão bons quanto dizem, e a sua vaidade envenena todos ao redor. Um bom
indicativo da qualidade de um formador de cientistas é a realização de reuniões
periódicas com cada orientado, além de atividades coletivas, como reuniões do
grupo de trabalho para discussões de artigos, apresentação de seminários e
debates sobre projetos. Se possível, converse também com ex-orientados, a fim de
sondar a qualidade do potencial orientador. Alunos que ainda estão em seu grupo
não são fontes totalmente confiáveis, pois caso o profissional esteja do Lado
Negro da Força, eles temem represálias.
Para terminar, pense que aprender a fazer ciência é
mais importante do que mexer com o táxon que você acha fofo. Na falta de um bom
orientador disponível que trabalhe com o táxon e o tema do seu interesse, é
melhor sacrificar uma coisa ou outra, ou até mesmo as duas, e se concentrar em
aprender os fundamentos da ciência com um pesquisador competente. Depois de
dominar o feijão-com-arroz do método científico, você pode até voltar a buscar
seus interesses específicos originais.
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Fonte: https://marcoarmello.wordpress.com/
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