segunda-feira, 11 de maio de 2015

Formação de estudantes-pesquisadores: requisitos e a questão da orientação

Dos tempos em que trabalhei na UFPE, esse era um diálogo que tinha com frequência com alunos de ciências biológicas (Campus de Vitória) e Nutrição (pós-graduação em Recife). A formação de estudantes-pesquisadores. Um desses alunos repassa-me, por e-mail, um texto a respeito desse tema (grato, Thomas), que a seguir reproduzo. O autor escreve a partir do contexto das ciências biológicas, mas as teses básicas do artigo são válidas para todas as áreas, sobretudo para as ciências humanas, onde ultimamente tem-se verificado uma significativa distorção em torno da atividade de pesquisa, que vai da banalização (tudo é mostrado como "pesquisa", até buscas no Google) a uma confusão despropositada com as ações de extensão, ocorrendo de, não raro, se substituir a formação dos estudantes por um outro papel a ser desempenhado por eles, qual seja: servir de mão de obra gratuita em inciativas outras. 





Por Marco Mello (UFMG)

Partindo do começo. Para planejar um trabalho cientifico relevante, primeiro é preciso escolher uma área de pesquisa (Ecologia, Evolução, Sistemática, Comportamento etc.) e se familiarizar com as teorias existentes nela, tanto as mais gerais, quanto as voltadas para um táxon específico. Somente dessa maneira você poderá detectar as lacunas de conhecimento que existem e propor um trabalho original para resolver alguma questão nova e interessante. Sem a ajuda de um bom orientador experiente na área, é praticamente impossível fazer isso direito, a menos que a pessoa seja um gênio autodidata (quantos o são?). Só “descrever por descrever” ou “comparar por comparar” não são justificativas aceitáveis para a realização de um projeto científico que realmente vá avançar o conhecimento e não chover no molhado. É muito difícil se tornar um bom cientista, sendo que este é um caminho para poucos e via de regra só se saem bem aqueles que contam com bons mentores.
Além disso, se você pesquisar animais, caso não aprenda o ofício com um orientador experiente no táxon, não receberá o treinamento prático necessário. Isso resultará nos seguintes problemas: (1) você não terá um rendimento adequado no campo ou no laboratório, provavelmente fazendo muito mais esforço (tempo e dinheiro) do que seria necessário, ou até mesmo não obtendo dados suficientes ou adequados para responder suas perguntas; (2) você acabará submetendo os animais a um estresse desnecessário, porque não vai manipulá-los da maneira correta; (3) você não saberá identificar os animais corretamente, pois isso é muito mais difícil do que parece e demanda boa experiência com o táxon; (4) se tiver que coletar animais para fazer uma coleção-testemunho, provavelmente não os fixará da maneira adequada, e o material acabará se deteriorando muito rápido; (5) se for lidar com animais que transmitem doenças, acabará fazendo os procedimentos de segurança da forma errada, pondo sua vida em risco (por exemplo, ao trabalhar com morcegos-vampiros infectados com a raiva).
Fora esses problemas, você tampouco terá acesso os contatos importantes que um bom orientador pode fornecer e, provavelmente, terá mais dificuldade em formar uma boa rede social que te ajude a se desenvolver como cientista. Colegas nos abrem muitas portas e nos ensinam muito.
Então como você pode encontrar um bom orientador? Converse com colegas mais experientes e que tenham competência reconhecida pela comunidade científica. Pergunte a eles quem entende do que e onde trabalha.  Fora isso, freqüente congressos científicos e procure conhecer seus pares. Faça também pesquisas na Plataforma Lattes do CNPq. No caso de orientadores que trabalham fora do Brasil, consulte redes sociais como LinkedInMendeleyAcademiaResearchGate e ResearcherID. Nessas plataformas você pode usar palavras-chave relacionadas aos assuntos que lhe interessam, de modo a descobrir quem trabalha com qual assunto, com qual táxon, em qual instituição e em qual cidade. Tenha em mente que é preciso avaliar dois lados do potencial orientador: o lado cientista e o lado formador de cientistas.
Com relação ao lado cientista do potencial orientador, o melhor mesmo é ler os trabalhos dele e ver o que  tem estudado, o que tem descoberto, que tipo de linha segue, como exatamente as pessoas citam seus trabalhos (usando como ponto de partida para os seus próprios trabalhos, elogiando, criticando ou apenas listando), e que tipo de reputação ele tem na comunidade. Caso você não tenha acesso a tantas informações, você pode avaliar o potencial orientador de duas formas indiretas, usando as redes sociais já mencionadas, além dos buscadores científicos Web of Science e Scopus: (1) veja se ele tem publicado artigos sobre o tema que lhe interessa e em quais revistas, e (2) veja quantas citações os artigos desse cientista têm recebido. Quanto melhor for a revista (considerando escopo, prestígio, circulação, acessibilidade e fator de impacto), provavelmente melhor deve ser o artigo; contudo, a relação entre  a qualidade da revista como um todo e de cada artigo individual não é perfeita. Por isso, em geral, é interessante olhar as citações recebidas por cada artigo em si. Contudo, lembre-se de que indiretas de qualidade, como índices cienciométricos, quebram um galho, mas não contam toda a história.
O lado formador de cientistas é bem mais difícil de ser avaliado. Você deve procurar um profissional que dedique atenção à formação acadêmica dos alunos, que dê autonomia para eles pensarem sozinhos e que fique feliz com o sucesso deles. Fuja daqueles que apenas botam alunos para fazer trabalho braçal, que orientam dezenas de pessoas ao mesmo tempo e só vêem cada uma delas uma vez por ano, ou que vivem podando os alunos mais brilhantes. Evite a todo custo aqueles que se colocam num pedestal, pois geralmente eles não são tão bons quanto dizem, e a sua vaidade envenena todos ao redor. Um bom indicativo da qualidade de um formador de cientistas é a realização de reuniões periódicas com cada orientado, além de atividades coletivas, como reuniões do grupo de trabalho para discussões de artigos, apresentação de seminários e debates sobre projetos. Se possível, converse também com ex-orientados, a fim de sondar a qualidade do potencial orientador. Alunos que ainda estão em seu grupo não são fontes totalmente confiáveis, pois caso o profissional esteja do Lado Negro da Força, eles temem represálias.
Para terminar, pense que aprender a fazer ciência é mais importante do que mexer com o táxon que você acha fofo. Na falta de um bom orientador disponível que trabalhe com o táxon e o tema do seu interesse, é melhor sacrificar uma coisa ou outra, ou até mesmo as duas, e se concentrar em aprender os fundamentos da ciência com um pesquisador competente. Depois de dominar o feijão-com-arroz do método científico, você pode até voltar a buscar seus interesses específicos originais.
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Fonte: https://marcoarmello.wordpress.com/

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