Não vale mais, no Brasil, sempre que se falar em universidade pública, o discurso oficial, ávido por mostrar avanços, repisar a 'catilinária' em torno da expansão verificada na última década. O prazo de validade desse brado está vencido. A questão que agora se coloca é o da relação entre o quantitativo e o qualitativo, para, entre outras coisas, consolidar as novas universidades e campus com um status digno de instituição universitária de fato. E também gerar as condições que permitam enfrentar a crise que, de modo geral, as universidades federais têm diante de si, tanto do ponto de vista administrativo com do seu modelo acadêmico - neste último aspecto, no país, é de se registrar o valoroso (e solitário) esforço do ex-Reitor da UFBA, Naomar Almeida Filho. A situação em que chegou a UFRJ, uma das maiores e mais antigas universidades brasileiras, é paradigmática do problema - a ponto de ter dado origem a um artigo, da jornalista Paula Cesarino Costa, publicado sob o título de 'As universidades no lixo' (reproduzido a seguir). Frente à 'situação dilemática' vivenciada pelas universidades federais, faltam iniciativas e dispositivos de gestão para enfrentá-la. No máximo, repte-se 'o mais do mesmo': ora, a retórica tendente ao populismo, ora as receitas ortodoxas do laissez-faire, laissez-passer. Dicotômica tragédia. Está faltando uma terceira via no debate sobre gestão universitária. Enquanto isso, docentes não têm condições de trabalho adequadas, estudantes não recebem a assistência devida e a sociedade perde. Um "jogo" onde todos saem derrotados. Retratando bem isso, aí abaixo está o artigo sobre a universidade no lixo.
Assembleia de estudantes da UFRJ |
Paula Cesarino Costa
O portão do campus da Urca está fechado "por
questão de segurança", informa cartaz na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). No restaurante da Universidade Federal Fluminense (UFF), a
suspensão das atividades foi anunciada "para preservar as condições
sanitárias". Pelos campi, sacos de lixo se espalham pelos corredores, e os
banheiros estão em porca miséria. Focos de dengue se multiplicam. Alunos trocam
cadernos por vassouras. Professores revezam-se na portaria.
A clínica de odontologia da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro deixou de atender 3.000. A Uerj não tem limpeza nem segurança
porque não paga fornecedores em razão da contenção de verbas do governo Pezão.
Milhares de alunos de universidades públicas
tiveram as aulas suspensas. A crise universitária é nacional, mas os
acontecimentos do Rio descambam para a irresponsabilidade.
O ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro,
afirmou "estranhar muito" a situação da UFRJ, que já teria recebido
R$ 81 milhões no ano. A reitoria divulgou que "metade do orçamento anual
de custeio corresponde ao pagamento de serviços terceirizados". O reitor
recém-eleito, Roberto Leher, disse que, entre 2007 e 2014, o número de alunos
aumentou 55%, mas a verba de custeio caiu à metade. Em 2011, R$ 230 milhões
pagavam manutenção e 870 terceirizados. Hoje, são R$ 301 milhões para 5.000.
Prevê: as federais não passarão de setembro.
Corte de orçamento e gestão ineficiente são irmãos
siameses. O problema é o modelo de ensino, de pesquisa, de financiamento e de
lógica de gastos. O Brasil conheceu a universidade com 200 anos de atraso em
relação a seus vizinhos. O educador Anísio Teixeira (1900-1971) escreveu em
1969: "A história da ideia de universidade no Brasil revela uma singular
resistência do país em aceitá-la". No século do conhecimento e da
inovação, o Brasil mudou de escala. Optou por jogar as universidades no lixo.
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