terça-feira, 26 de maio de 2015

Sobre a manipulação das pessoas

Sabe aquelas pessoas que atuam nos bastidores no sentido de influenciar outras para que elas defendam os seus interesses? E aquelas que, sob uma falsa modéstia, têm uma necessidade permanente de serem o centro das atenções, para alimentar a sua vaidade? E aquelas outras que se aproveitam de quem é instável, inseguro ou passivo, para exercer controle? As universidades estão cheias destas pessoas. Por isso, em boa hora, vale a leitura do Petit traité de manipulation, de Robert-Vincent Joule e Jean-Léon Beauvois, que foi vertido para a língua de Camões sob o sugestivo título de ‘Como Manipular Pessoas’ (Editora Novo Conceito). A seguir, alguns extratos, capítulo a capítulo, da obra. 





Por Dêner Martins 

Capítulo I – Armadilhas da decisão 

Esse capítulo começa com a introdução do conceito de submissão livremente consentida. Essa situação ocorre quando fica difícil a uma pessoa recusar um pedido em uma situação social formal. Há uma tendência observada em tomar iniciativa por uma ação não desejada simplesmente por ter assumido um compromisso anterior. Esse comportamento é chamado de efeito de congelamento, e seria a aderência da pessoa a uma decisão tomada anteriormente, condicionando assim seu comportamento futuro, mesmo não sendo essa a decisão mais racional. Essa técnica é utilizada para trabalho de grupo, pois é mais eficaz na persuasão do que uma ação executada sobre um indivíduo, pois as pessoas são levadas a pensar e agir conforme a decisão que o grupo toma. 
Quando o indivíduo opta pela linha de ação em que já havia investido anteriormente (dinheiro, tempo), e não pela mais vantajosa ou promissora, chamamos essa situação de a despesa irreversível e a armadilha da decisão não racional. É com esse tipo de armadilha, que implica na escalada do comprometimento, que as casas de jogo conseguem extrair todo o dinheiro do jogador compulsivo, afinal de contas ele está “quase” ganhando o jogo, por que parar? Os autores mostram que antes de entrar na armadilha, o indivíduo deve estabelecer limites a não serem ultrapassados para interromper o ciclo vicioso. 

Capítulo II – O chamariz 

A técnica de manipulação denominada de chamariz basea-se na persistência do processo decisório. Uma vantagem inicial é usada como isca, a qual deixa de existir no final da negociação, deixando o indivíduo constrangido em recuar e desistir do negócio. É o efeito da perseverança na atividade decisória. 

Nem sempre o aplicador da técnica tem consciência da manipulação. Muitas vezes isso não passa de uma técnica simples de venda para fazer o freguês entrar na loja. Deve-se enfatizar ao cliente a “liberdade de escolha” para que ele se sinta mais confortável, mas sem perder o vínculo com a primeira decisão (comprar a “oferta” da vitrine). 

Capítulo III – Um pouco de teoria 

Os autores mostram em inúmeros experimentos que a liberdade de escolha influi no efeito da perseverança de uma decisão. Quando havia liberdade de escolha ocorre o efeito da perseverança. E quando havia uma decisão forçada por pressão do experimentador não se verificava os efeitos da perseverança. Isso se deve ao que os autores denominaram de “sentimento de liberdade”. O comprometimento do indivíduo dá-se pelos atos, não pelos seus pensamentos ou sentimentos, visto que estes são internos a nós. Esse comprometimento pode variar em graus, do zero ao comprometimento total. Quanto maior a recompensa maior a pressão sobre o indivíduo, portanto menor seu comprometimento com a decisão tomada, afinal de contas ele foi forçado a fazer isso. 

Os autores desenvolvem ainda o conceito de submissão livremente consentida para designar situações em que o indivíduo executa ações de acordo com suas convicções ou contrariamente a elas, mas que não as teria realizado caso estivesse sob pressão explícita. Eles estabelecem que o comprometimento do indivíduo aos atos praticados por ele está associado ao aspecto público do ato, seu caráter irrevogável, sua repetição, seu custo e à sensação de liberdade experimentada pelo indivíduo. O grau de comprometimento de um indivíduo ao ato praticado por ele é medido pela fusão desse ato com o próprio indivíduo, ou ainda, na medida em que o individuo é confundido com suas ações. Por isso a avaliação formal mais comum de uma pessoa na sociedade humana é baseada em seus atos. 
O estudo das conseqüências do comprometimento foram estudadas no nível cognitivo de acordo com suas atitudes relativas ao processo decisório, envolvendo os aspectos de conhecimento da causa, sua opinião sobre ela e suas crenças pessoais. Os estudos mostram que quanto maior o comprometimento de um indivíduo por uma decisão maior será sua resistência em alterar sua posição e vice-versa, o que abre caminho para mecanismos de manipulação como incentivos financeiros, por exemplo. 

Capítulo IV – O pé calçando a porta 

Neste capítulo é descrita uma técnica bastante utilizada por comerciantes conhecida como “O pé calçando a porta”. Essa técnica consiste em preparar o alvo da ação por meio de outras ações aparentemente inofensivas e desconexas e que exigem dele respostas voluntárias não comprometedoras. Assim que o alvo for “preparado” acontece a solicitação real e comprometedora com a qual o indivíduo não teria acedido tão facilmente não fosse o esquema de manipulação preparado anteriormente. O efeito de pé calçando a porta é mais uma prova cabal do efeito da perseverança sobre uma decisão anterior feita livremente. Muitas campanhas públicas começam com a decisão livre e espontânea como usar um adesivo no carro ou na roupa, passando logo em seguida para a militância no bairro para arrecadar fundos para uma causa nobre. 

A eficácia do procedimento preparatório gira em torno de sete a dez dias, após os quais a preparação perde o efeito de manipulação sobre a pessoa, segundo os pesquisadores. Os pedidos de preparação solicitados ao alvo devem ser próximos na linha de tempo. É importante ressaltar que essa preparação seja da mesma natureza que o comportamento esperado, para predispor o alvo mais favoravelmente aos objetivos esperados. A técnica de pé calçando a porta tem ainda uma variante com um pedido implícito, quando não há o pedido explícito do manipulador, mas sim, uma situação que dará ao indivíduo alvo a “oportunidade” de manifestar o comportamento esperado. 

Capítulo V – A porta no nariz 

Ao contrário da técnica do pé na porta, a porta no nariz utiliza uma recusa a uma solicitação desmedida para conseguir o comportamento esperado. A preparação pode ser um pedido para doar uma grande quantia de dinheiro, o que seria prontamente recusada, para logo então conseguir a participação voluntária em um evento beneficente qualquer. Essa estratégia é utilizada largamente por profissionais do comércio para conseguir seus objetivos na venda de bens e serviços. Os especialistas alegam que as duas solicitações devem ter semelhança entre si quanto a natureza mas diferentes quanto ao seu custo. 

Essa técnica embora de conhecimento do público leigo, como vendedores, não foi suficientemente explicada por modelos teóricos de comportamento da psicologia moderna. As duas técnicas explicadas anteriormente são consideradas equivalentes em termos de eficácia, devendo o experimentador usar a prática para definir qual delas utilizar em função do público alvo e do comportamento esperado. 

Capítulo VI – Da gafe à hipocrisia: outras técnicas de manipulação 

Aqui os autores descrevem várias técnicas avulsas que podem ser utilizadas de forma combinada para atingir os objetivos do experimentador ou manipulador. A manipulação da técnica do toque é muito utilizada por vendedores que “capturam” a vítima segurando seu braço e o liberam logo em seguida após o alvo (ou vítima) exibir o comportamento esperado. Essa técnica é conhecida por predispor o cliente mais favoravelmente às ações que se acontecem logo em seguida. O toque pode também sofrer variações de acordo com a cultura do povo estudado. No Brasil essa técnica tem mais chances de dar certo do que na Inglaterra, onde o contato entre as pessoas é mais formal. 

A técnica da gafe começa com uma pergunta mais pessoal sobre seu estado, para a qual, por motivos de convenção social, somos obrigados a responder “tudo bem”. Com isso, o percentual de aceitação para as ações subseqüentes aumentam sensivelmente. Ela diminui o percentual de recusa por parte do público alvo, estabelecendo um diálogo inicial positivo. Já a situação de medo e alívio já foi muito utilizada por interrogadores experientes em regimes políticos autoritários ou situações controladas em delegacias de polícia. A pessoa é submetida a uma situação de estresse para logo em seguida passar para outra de alívio. Isso faz com que haja um relaxamento por parte da pessoa alvo e a predispõe a colaborar mais com o experimentador ou interrogador. Essa técnica pode ser utilizada também para conseguir doações por parte do público alvo. 

Quando o experimentador qualifica uma pessoa positivamente pelas suas qualidades internas (asseio, organização etc) está utilizando a técnica da rotulagem, muito empregada na educação de crianças. Outra forma de conseguir uma resposta mais positiva é apertar a mão do indivíduo mas sem massacrá-la olhando-o diretamente nos olhos com voz tranqüilizadora. Essa técnica é conhecida por quebrar o gelo no contato inicial. 

As técnicas podem ser utilizadas de forma conjunta para construir um contexto psicológico mais favorável antes do pedido ser formulado ao indivíduo. Quando se trata de conseguir dinheiro na rua, a técnica de um pouco é melhor do que nada é muito eficaz. O pedinte pede uma quantia relativamente grande para a situação exposta, mas logo em seguida abaixa sua expectativa de recompensa, e assim, consegue algumas moedas de troco. 

Dobrando ou aumentando instantaneamente a oferta pode-se convencer alguém a comprar algo. Primeiro o experimentador ou vendedor oferece um bem por X. Logo após o indivíduo mostrar desinteresse pela coisa, o vendedor oportunamente se lembra que na verdade são dois por X, quebrando assim a resistência do cliente em colocar a mão no bolso. Essa uma técnica conhecida como tudo ou nada! 

Entrando no campo da psicologia social, os autores abordam ainda a técnica da hipocrisia, o qual também possui uma ação preparatória envolvendo um compromisso parte do indivíduo. Essa técnica consiste em fazer o indivíduo participar de uma ação voluntária aparentemente inofensiva, que, depois de ter sido interiorizada (pode-se até prever o tempo), começa a modificar as atitudes dele em relação ao assunto abordado. 

Capítulo VII – Rumo a manipulações cada vez mais complexas 

Neste capítulo são colocadas as diversas formas de manipulação de forma combinada para ganhar mais eficácia. Ainda no campo da psicologia social, os autores lembram que ocorre dissociações entre atitudes e opiniões de uma pessoa e seu comportamento em determinadas situações de manipulação. 

O uso da rotulagem interna como fase preparatória para a técnica do pé calçando a porta é muito utilizada por pesquisadores. Antes de solicitar o comportamento desejado, os experimentadores solicitam, ainda que de forma simulada, não real, uma participação em um experimento ou situação quando alguma qualidade interna dos participantes é exaltada. Logo a seguir vem outro pedido envolvendo comprometimento e evocando o mesmo tipo de atitude ou opinião do indivíduo, lembrando a ele que sempre há liberdade de escolha. 

O encadeamento de diversas técnicas é enfatizado pelos autores como forma de potencializar as chances de sucesso nos experimentos de manipulação. Essa perspectiva, alicerçada na psicologia do comprometimento, possibilitou inúmeros tipos de intervenção utilizados pelos cientistas do comportamento para desenvolvimento de práticas terapêuticas, mudanças comportamentais de grupos sociais inteiros entre outras. Essas mudanças comportamentais podem ter efeitos duradouros de vários meses, podendo fazer parte de programas sociais. 

Capítulo VIII – A manipulação no dia a dia – 1. Amigos e negociantes 

Esse capítulo começa com uma discussão sobre os aspectos éticos e morais no estudo dessas técnicas de manipulação e sua divulgação para o público em geral. Em geral há uma publicação tardia desses resultados em função da prudência. Os autores ressaltam que na disputa entre princípios éticos e as objetivos reais, como nos ramos do marketing e da política, os primeiros perderão para os segundos. Essas técnicas avançadas de manipulação para produção ou alteração de comportamentos são cada vez mais estudadas e utilizadas pelos profissionais do mercado em virtude de sua eficácia. 

O tipo de manipulação como a porta no nariz é pouco utilizado normalmente, talvez por ela não ter muita ressonância com nossas intuições iniciais. O chamariz, embora bastante natural, em algumas situações pode ser considerado ilegal como a propaganda enganosa. Já a técnica do pé calçando a porta é a mais largamente empregada, até mesmo por que não há restrições legais quanto ao seu uso. 

Capítulo IX - A manipulação no dia a dia – 2. Chefes e pedagogos 

Nas relações sociais existem casos em que as normas vigentes colocam os indivíduos em situações assimétricas de poder, como a de chefe e a de subordinado. Assim, não haveria necessidade de um chefe lançar mão de técnicas de manipulação, pois a lei lhe confere o poder necessário para exigir do subordinado a ação ou comportamento requerido. Mas nem sempre o princípio da autoridade inconteste é utilizado, pois isso acarretaria na criação de um ambiente sufocante e insuportável pelos subordinados. 

Poucas organizações, como as forças armadas ou a máfia, aceitam o exercício do poder como valor supremo e método natural e inconteste para conseguir uma ação ou mudança de comportamento de um membro. Com o desenvolvimento econômico e a globalização a tendência dos métodos de gestão modernos é enfatizar cada vez mais o sentimento de liberdade e responsabilidade de cada indivíduo pelo sucesso da organização no mercado. A opção de auto-gestão como as decisões em grupo têm que levar em consideração duas dimensões, o peso social interno das decisões e o seu peso na eficiência organizacional. Deve-se levar em conta que, quanto maior for a liberdade de escolha no processo decisório, maior será o grau de comprometimento com ela. 

Muitas vezes o pretenso ambiente livre de decisão de uma estrutura organizacional esconde o jogo de manipulação embutido, como as relações de comprometimento dos indivíduos e equipes com suas decisões e as conseqüências para todos, decorrentes dessas mesmas decisões. O que acontece frequentemente nas organizações e grupos sociais é a tendência a reprodução das relações de poder nos diversos níveis da sociedade, família, empresas, governo, ou seja, é busca pela autopreservação. 

Capítulo final - Para Concluir” 

Nesta última seção do livro, os autores encenam uma suposta entrevista á Rádio Nacional da Dolmácia, país fictício criado por eles para ilustrar os exemplos das técnicas de manipulação, com muito bom humor. 

---------------------

Nenhum comentário:

Postar um comentário