sexta-feira, 29 de maio de 2015

A arte de um poeta: Paulinho Leite

Se há algo a não se perder de vista pelas lentes da estética da arte é que as 'classificações estanques', em matéria artística, não têm muito sentido. E nessa fonte o surrealismo bebeu muito bem. Alimentar dicotomias, como singular versus universal, é algo que nunca fez sentido, e hoje muito menos. Contrapor uma 'cultura global' (em boa parte das vezes, entendida como superior) às culturas locais, de cidades menores, é um disparate, e atualmente, por diversas razões, o é cada vez mais. Lançando-se mão da referida dicotomia, tentou-se, por exemplo, diminuir a dimensão da obra de figuras como José Lins do Rego, Ariano Suassuna e Augusto dos Anjos. Pura asneira. O universal conecta-se ao singular, logo também realiza o singular; assim como o global imbrica-se com o local, e este se reconfigura naquele, modificando-o. Isto é reforçado nos dias atuais pelas decorrências da sociabilidade em rede, das tecnologias da informação e da 'vida virtual', apagando as fronteiras entre os modos de existência/sociabilidades das pequenas e grandes cidades. Na arte, isto significa a interconexão de conteúdo e forma entre o singular e o universal. Muitos artistas existem, poucos, contudo, captam isso. Digo assim, para referir a obra de Paulinho Leite, nome já de referência no cenário artístico pernambucano, e alçando outros voos. A singularidade do seu estilo visita o universal: vai às raízes do forró original, lembra Alceu Valença, mas tem marca própria como cantor-poeta. A seguir, dois momentos seus, com a letra cantada em 'A Cor do Tempo' e o cantar das raízes da sua urbe - Muira ubi ('Olho D'água dos Bredos' - Arcoverde). Na cor do tempo quando passa, digo eu, é interessante ver/ter visto, de perto, o andar dos acontecimentos. 

Poeta-cantor Paulinho Leite 

A Cor do Tempo (Flávio Leandro/Paulinho Leite) 

Cada minuto a mais 
é um minuto a menos 
que a gente deixa de viver 
cada pegada na estrada dessa vida 
mostra a cor embranquecida 
da face do envelhecer 
cada fiapo de cabelo que se pinta 
mostra que o tempo tem tinta 
pra pintar qualquer cristão 
pode ser do estrangeiro 
ou de qualquer religião 
pode fugir que o tempo pega e lhe consome 
se ficar o tempo come 
pro tempo tem jeito não 
ai se eu pudesse contra o tempo eu lutaria 
armava a rede na garupa do destino 
e num balanço matutino 
eu misturava a noite e o dia 




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