Por Celso Rocha de Barros
(Doutor em Sociologia pela Universidade
de Oxford)
Em 1962, Celso Furtado se
tornou Ministro do Planejamento. A situação era desesperadora. A inflação
subia, os desequilíbrios se acumulavam e a democracia estava morrendo. A
nomeação de Furtado foi um dos maiores "se vira aí, famosão" da história
brasileira.
O que fez o famosão? Bolou um plano econômico que, além
de enfrentar problemas imediatos, tentava conciliar os interesses em conflito
no que era uma profunda crise social. Os detalhes não importam aqui, pois
remetem aos problemas da época.
O que me interessa é o espírito da coisa: fazer, ao mesmo
tempo, o ajuste econômico exigido pela direita (que era necessário) e políticas
de redistribuição pedidas pela esquerda, como reforma agrária (o que também
teria sido uma boa ideia).
Ninguém apoiou, durou só seis meses, tudo seguiu
degringolando até 1964 e, aí, enfim. Hoje parece que tudo isso era inevitável,
mas não era: havia acordos inteiramente factíveis que não foram feitos.
Neste momento em que as coisas tampouco parecem ir muito
bem, sugiro que pensemos como Celso Furtado em 1962, e tentemos conciliar o
ajuste com medidas redistributivas que possam responder à crise social e
política que vivemos. Fazer ao mesmo tempo, por exemplo, reforma da Previdência
e um sistema tributário mais progressivo.
No fim das contas, será necessário negociar com os
sindicatos qualquer reforma que se proponha. Minha proposta é que os sindicatos
não se limitem a defender o máximo possível do status quo, mas também apresentem medidas para resolver parte do
problema fiscal com mais impostos sobre quem pode pagar.
Vale lembrar, medidas redistributivas são necessárias
porque a estratégia de combate à desigualdade adotada até aqui –tornar o gasto
mais progressivo, mesmo que a tributação não o seja– pode perder impacto com as
reduções de gastos previstas.
O Brasil tem gente boa para discutir cada aspecto desse programa.
Eu sei, o mais provável é que ninguém faça nada disso no
clima político envenenado em que vivemos. Mas, antes de descartar a saída
Furtado, sugiro ao leitor que considere a alternativa que, no momento, parece
mais provável.
O plano atual parece ser comprar no Congresso as reformas
com um "acordão" que contenha os danos causados pela Lava Jato, como
o que foi tentado na segunda-feira passada [19/09]; e
torcer para que a esquerda não consiga mobilizar os insatisfeitos com as
reformas. Pode dar certo.
Mas, mesmo se der, é isso que somos agora? Teremos uma
Constituição de 2017 aprovada deste jeito?
Se não fizermos um acordo na sociedade civil, não teremos
só que tolerar o acordo no Congresso. Teremos que torcer para ele dar certo.
Será a única conciliação nacional possível, e não teremos até 2018 um governo
forte o suficiente para dispensar algum tipo de conciliação.
Será muito triste se tivermos que nos conformar com isso.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 26/09/2016. Título original: 'Façam como Celso e tentem conciliar o ajuste com medidas redistributivas'.