segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O suspiro da criatura oprimida

Resultado de imagem para O suspiro da criatura oprimida

Por Michel Zaidan
(Historiador/cientista político – UFPE)

A modernidade não tratou com benevolência as religiões. Sigmund Freud se referiu a elas como uma espécie de neurose, fuga ou escape diante da dura realidade de cada um. E chegou a prever sua extinção, com o avanço da ciência e do pensamento esclarecido. Marx foi mais longe, chamou-as de "ópio do povo", recriminando as classes que precisavam se apegar a uma ilusão para viver. Os autores contemporâneos – adotando uma postura agnóstica e pragmática – predispuseram-se a aceitar o fenômeno religioso como um fato sociológico, funcional para a sobrevivência da humanidade.
Mas, para mim, o pensador que soube exprimir como ninguém a essência do fenômeno religioso foi o alemão Ludwig Feuerbach, em sua obra "A essência do Cristianismo", publicada no Brasil com o prefácio de Rubem Alves. Segundo Feuerbach, podemos ler e traduzir o fenômeno religioso como uma alegoria do sofrimento humano na terra e sua busca de redenção. Daí a busca de um Deus, um céu, uma família, um mundo melhor, muito melhor do que o que vivemos. Diz o filósofo alemão, somos religiosos porque não nos conformamos com a miserável e infeliz vida mundana que levamos. Porque queremos uma vida melhor do que essa para viver. As imagens do nosso mundo religioso querem dizer que é este (o mundo da religião) o mundo que queremos e não o que vivemos.
Muitas críticas advieram a essa formulação feuerbachiana. Sobretudo, porque ela tratava as religiões históricas como formas de alienação e convite ao conformismo social e político, ao transferir para uma esfera transcendental as utopias de uma vida melhor nesse mundo imperfeito e lacunoso. Seu principal discípulo Karl Marx, radicalizou a crítica, propondo o fim do Estado, o fim da política e das religiões, como forma de emancipação humana, ao dizer que os homens interpretaram o mundo de diversas maneiras, mas urgia transformá-lo.
A [dita] “pós-modernidade”, com sua descrença na razão, foi mais generosa com as religiões. Houve uma espécie de reencantamento do mundo e da sociedade. E uma desesperança nas utopias profanas que prometiam o milênio na terra. E é preciso dizer que vários religiosos e crentes passaram a tomar parte nos esforços para a construção de um mundo mais humano e justo. Fiz parte, na condição de ateu, desses movimentos, entendendo que era um amplo convite "aos homens de boa vontade" para mudar o mundo e fazê-lo melhor, sem distinção de credo, ideologia, raça, gênero ou orientação sexual. Não me arrependo. Encontrei valorosos amigos e camaradas.
Mas, hoje, tenho de constatar com tristeza e desolação que a religião vem sendo usada, sem o menor escrúpulo, por pessoas cujo o único interesse é de natureza eleitoral ou eleitoreira. Gente que se vale da sua condição de ministro religioso ou missionário ou crente nas escrituras sagradas, para arrancar voto dos ingênuos, incautos , pessoas crédulas, de boa-fé. Neste caso, não há como se enganar: se trata de meros mistificadores, pescadores de águas turvas, mercadejadores da fé, em busca de cargos, mandatos, tráfego de influência etc.
Em relação a esses últimos, não há como se iludir ou ter condescendência. Trata-se de lobos em pele de cordeiro, cujo o único objetivo é engazopar os ingênuos, propondo a salvação da alma em troca do voto e de ajuda material para suas igrejas ou obras "missionárias". É uma nova cruzada bíblica animada dos piores propósitos: atentarem contra a precária laicidade do Estado brasileiro e colocarem em risco os direitos das minorias. Fariseus e sepulcros caiados, como disse a pregação do Messias.