Por
Michel Zaidan
(Historiador/cientista
político – UFPE)
A modernidade não tratou com benevolência as
religiões. Sigmund Freud se referiu a elas como uma espécie de neurose, fuga ou
escape diante da dura realidade de cada um. E chegou a prever sua extinção, com
o avanço da ciência e do pensamento esclarecido. Marx foi mais longe, chamou-as
de "ópio do povo", recriminando as classes que precisavam se apegar a
uma ilusão para viver. Os autores contemporâneos – adotando uma postura
agnóstica e pragmática – predispuseram-se a aceitar o fenômeno religioso como
um fato sociológico, funcional para a sobrevivência da humanidade.
Mas,
para mim, o pensador que soube exprimir como ninguém a essência do fenômeno
religioso foi o alemão Ludwig Feuerbach, em sua obra "A essência do
Cristianismo", publicada no Brasil com o prefácio de Rubem Alves. Segundo
Feuerbach, podemos ler e traduzir o fenômeno religioso como uma alegoria do
sofrimento humano na terra e sua busca de redenção. Daí a busca de um Deus, um
céu, uma família, um mundo melhor, muito melhor do que o que vivemos. Diz o
filósofo alemão, somos religiosos porque não nos conformamos com a miserável e
infeliz vida mundana que levamos. Porque queremos uma vida melhor do que essa
para viver. As imagens do nosso mundo religioso querem dizer que é este (o
mundo da religião) o mundo que queremos e não o que vivemos.
Muitas
críticas advieram a essa formulação feuerbachiana. Sobretudo, porque ela
tratava as religiões históricas como formas de alienação e convite ao
conformismo social e político, ao transferir para uma esfera transcendental as
utopias de uma vida melhor nesse mundo imperfeito e lacunoso. Seu principal
discípulo Karl Marx, radicalizou a crítica, propondo o fim do Estado, o fim da
política e das religiões, como forma de emancipação humana, ao dizer que os
homens interpretaram o mundo de diversas maneiras, mas urgia transformá-lo.
A
[dita] “pós-modernidade”, com sua descrença na razão, foi mais generosa com as
religiões. Houve uma espécie de reencantamento do mundo e da sociedade. E uma
desesperança nas utopias profanas que prometiam o milênio na terra. E é preciso
dizer que vários religiosos e crentes passaram a tomar parte nos esforços para
a construção de um mundo mais humano e justo. Fiz parte, na condição de ateu,
desses movimentos, entendendo que era um amplo convite "aos homens de boa
vontade" para mudar o mundo e fazê-lo melhor, sem distinção de credo,
ideologia, raça, gênero ou orientação sexual. Não me arrependo. Encontrei
valorosos amigos e camaradas.
Mas,
hoje, tenho de constatar com tristeza e desolação que a religião vem sendo
usada, sem o menor escrúpulo, por pessoas cujo o único interesse é de natureza
eleitoral ou eleitoreira. Gente que se vale da sua condição de ministro
religioso ou missionário ou crente nas escrituras sagradas, para arrancar voto
dos ingênuos, incautos , pessoas crédulas, de boa-fé. Neste caso, não há como
se enganar: se trata de meros mistificadores, pescadores de águas turvas,
mercadejadores da fé, em busca de cargos, mandatos, tráfego de influência etc.
Em
relação a esses últimos, não há como se iludir ou ter condescendência. Trata-se
de lobos em pele de cordeiro, cujo o único objetivo é engazopar os ingênuos,
propondo a salvação da alma em troca do voto e de ajuda material para suas
igrejas ou obras "missionárias". É uma nova cruzada bíblica animada
dos piores propósitos: atentarem contra a precária laicidade do Estado
brasileiro e colocarem em risco os direitos das minorias. Fariseus e sepulcros
caiados, como disse a pregação do Messias.