O caso Eduardo Cunha ou a lembrança de O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa. "Quanto mais muda, mais continua a mesma coisa." A conferir o texto aí abaixo.
Por Mario Sergio Conti
O cavalheiro de
Maceió alertou: "Você precisa conhecer um amigo meu lá do Rio. Ele sabe
tudo, manda e desmanda na Telerj". O guapo alagoano era Paulo Cesar
Farias. O carioca que manjava tudo, Eduardo Cunha. Corria o ano de outro
impeachment, 1992.
PC Farias deu a ficha do amigo depois de
almoçar codornas, na sua casa paulista. Economista, fora um arrecadador eficaz
e discreto na campanha de Collor. Chamado a ocupar um cargo subalterno na
equipe de Zélia, preferira se assenhorar da telefonia fluminense. "É um
ás", avisou.
Mas a conversa com Cunha foi um caso de tédio
à primeira vista. Como Collor caía em câmera lenta, o sabe-tudo engabelava com
a cara dura de quem joga pôquer: "Paulo Cesar não me nomeou". A
política o aborrecia quase tanto quanto a economia. Não ofereceu café nem água.
Mais de 20 anos depois, outra entrevista.
Apesar da gravata Charvet (que Walter Moreira Salles lançou aqui, imitando de
Gaulle e Churchill), Cunha continuava amarfanhado, oco, enfadonho. Tomou água,
mas teimou que PC não o indicara. Cumpriu-se, porém, a praga alagoana: virara
um ás.
Cunha logo notou que não tinha chance como
economista. A chefia do Ministério da Fazenda, ou do Banco Central, eram cargos
de alta rotatividade, dedicados aos de alto coturno. Seus ocupantes fracassavam,
mas logo retornavam aos bancos, onde ficaram milionários contando como o
governo trabalhava.
Não havia lugar para economistas colloridos
nesse esquema —que o digam Zélia, Antonio Kandir ou Ibrahim Eris. Foi aí que
Cunha viu Deus, tornando-se radialista e pregador evangélico. Depois de PC, seu
mestre foi Anthony Garotinho, também ele um carola a quem a república
pseudolaica franqueou microfones de rádio.
Não se pode acusar Eduardo Cunha de, em duas
décadas de carreira, ter sido iluminista. Como apóstolo da Assembleia de Deus,
a maior denominação evangélica, com 65 milhões de crentes, só tratou de
costumes. Seu catecismo foi obscurantista: ataques aos gays, à união dos do
mesmo sexo, ao afrouxamento da lei sobre drogas.
Na política substantiva —porque é de pão que
vive o homem, e não da palavra de Deus— Cunha foi a favor da iníqua
desigualdade entre os brasileiros, da submissão do país ao parasitismo
financeiro, do direito de herança total, dos impostos regressivos. Não
precisava nem propalar isso porque o velho racionalismo burguês é hoje anátema.
Ninguém lhe deu combate. A Igreja Católica se
calou por concordar com a sua pauta moralista. Sob João 23, os católicos agiram
no desmonte da ditadura e na luta por justiça. Com João Paulo 2º e Bento 16,
renderam-se à reação evangélica. Não só eles. Parlamentos, escolas, empresas,
mídia —a capitulação foi geral.
Em nenhum lugar ela foi tão viciosa quanto na
política. Cunha foi paparicado por todos os partidos, liderou a maior bancada
da Câmara e a presidiu. Sem ele, o impeachment não prosperaria.
Agora, para que a derrubada de Dilma aparente
ter sido justa, e para que a corriola que a abateu se diga implacável com os
corruptos, o Brasil é instado a crer que a cassação de Cunha é histórica. Será
festejar, no entanto, um sétimo lugar olímpico.
Vejam-se as eleições para prefeito. Em São
Paulo e no Rio, vieram da máquina evangélica os candidatos à frente nas
pesquisas. Russomanno e Crivella são uns ases, comemoraria PC. A podridão
política que gerou Cunha está viva e voa alto.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 13/09/2016. Título original: 'Podridão política que gerou Cunha está viva e voa alto'.
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