Idade, idades. Maturidade. Idade dos anos e idade da mente. Tempo e viver. Vita brevis, ars longa. Aequilibrium. A vida é breve, a arte de viver é longa, com equilíbrio.
Por Leandro Karnal
(Historiador – UNICAMP)
Cícero
refletiu sobre o processo na obra De
Senectude, mesmo título do italiano Norberto Bobbio. Ecléa Bosi, no livro Memória e Sociedade, criou parágrafos
lapidares sobre a idade. Simone de Beauvoir trata do conceito no texto Da Velhice. No fim da sua vida e de
Sartre, aumentou a secura analítica no livro A Cerimônia do Adeus. Lembrei-me dos textos ao ver o filme Amor, de
Michael Haneke, um dos mais belos e duros que já assisti.
A cor da vida é a cor da morte, assegura sábio ditado.
Jovens chatos serão velhos chatos. Um adolescente brilhante tem chance grande
de gerar um ancião da mesma cepa. No fundo, gente velha é igual a gente jovem,
só que velha... Qual seria, de fato, nosso medo? Provavelmente, o receio
dialoga com a questão da perda de relevância e de controle, especialmente sobre
o nosso corpo.
O físico tem uma lógica particular. Deus permitiu que Jó
perdesse todos os bens e seus dez filhos. O paciente sofredor resistiu,
epicamente. Só depois, o Criador autoriza uma doença grave sobre o
protagonista. O que podemos deduzir? Perder bens e perder filhos constituem
males menores do que a fraqueza corporal em si. Em parte, como queria Espinosa,
sou o meu corpo. Não existem duas instâncias separadas, mas uma só. Meu corpo
não contém o meu ser, ele é o que sou. Velhice é a consciência do limite da
matéria.
O outono não é um raio num céu azul. Há sintomas prévios.
A primeira vez que nos chamam de tio é um alerta. Uma mulher de 30 anos olha
com docilidade e insinua: você gosta de mulheres mais jovens? O Don Juan
cinquentão estremece. Em breve surge o primeiro refluxo após um pouco mais de
álcool à noite. As letras teimam em diminuir diante das retinas cansadas.
Incorporamos palavras complexas ao vocabulário: presbiopia, estatinas,
colonoscopia... Nossa casa fica cada vez mais confortável e a rua mais
desafiadora. A nécessaire de remédios
aumenta a cada ano.
A percepção se acelera quando alguém nos cede um lugar no
metrô lotado, ainda com o sorriso generoso de um bom escoteiro que ampara
Matusalém na reta final. Por fim, o elogio que mata o último botão da nossa
fantasia de juventude finda, é disparado: você está bem para a idade... Pronto!
Chegamos lá: a região obscura depois do cabo da Boa Esperança. Carimbamos o
passaporte para a terra sem volta. O que está pela frente fica menor do que o
que passou.
Há pessoas otimistas e pessimistas. As duas posturas
envelhecerão. Lutar contra o tempo é como rebelar-se contra a lei da gravidade.
Angustiar-se com a idade é temer a chegada do fim do dia ou das fases da lua.
Não existe maneira indolor de viver o processo, mas há coisas objetivas a
considerar.
Hegel notou que a coruja de Minerva levanta seu voo
apenas com as sombras da noite. Esta era a análise tradicional para indicar que
a ave símbolo da reflexão e ponderação (dedicada à deusa da sabedoria Minerva)
consegue subir no instante do declínio da luz. Sabedoria nunca é alcançada cedo
e nem sempre a tempo. Não existem garantias, mas a tradição ensina que podemos
melhorar com o tempo. A diminuição dos movimentos rápidos dos anos de vigor
máximo colaboram para isto. O carro vai mais devagar e a paisagem é mais clara,
ainda que com óculos.
É uma idade de sinceridade. Crianças, velhos e bêbados
têm um compromisso maior com a verdade. Nem sempre ficamos pacientes, mas
cresce a autenticidade. A idade madura abre os olhos para as coisas
essenciais.
Idade do fim? Há controvérsias. Para muitos é o momento
de começar a fazer o que realmente gostam. Cora Coralina publicou seu primeiro
livro de poesia com quase 76 anos. Konrad Adenauer reergueu a Alemanha
Ocidental entre 73 e 87 anos, a mesma Alemanha que Hitler começara a destruir
aos 43 anos.
Ulysses Guimarães, respondendo aos que o achavam velho
demais para candidatar-se à presidência, gostava de lembrar que, em oposição ao
experiente Adenauer, Nero tocou fogo em Roma aos 27 anos. Aliás, a obra máxima
do doutor Ulysses, a promulgação da Constituição de 1988, foi feita na véspera
de ele completar 72 anos.
Por fim, quando o mundo não precisa ser mais conquistado,
ele pode ser fruído. Há mais tempo para isto. Os ritmos podem ser respeitados.
Há vagas em estacionamento e preferência nas filas. De quando em vez, surgem
netos, um estágio superior de paternidade e maternidade. Alguns possuem mais
dinheiro na maturidade do que na juventude. Perdemos a obsessão com o
julgamento alheio. Quase sempre saímos do jogo da sedução.
Há melancolia e libertação no processo. As cabeças não se
voltam mais logo que entramos. Como muitos perceberam, aumenta nossa
invisibilidade para o mundo. Na infância, eu achava que o homem invisível da
televisão poderia fazer quase tudo. Os seres crepusculares podem! As corujas
voam mais livres no fim. Um bom domingo a todos vocês.
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Fonte: O Estado de São Paulo, edição do dia 04/09/2016.
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Fonte: O Estado de São Paulo, edição do dia 04/09/2016.