segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A sabedoria do tempo na janela da maturidade


imagem | hreinn friöfinnsson


Por Carlos de Almeida Vieira 
(Psicanalista/Psiquiatra) 

Nascemos carregando dentro de nós aquilo que Freud chamou de “narcisismo primário”, ou dizendo de outro modo, um amor por si mesmo, absoluto, e enxergando tudo como se fosse extensão do nosso ser. A diferenciação entre Eu e não Eu é um processo lento, que vai acontecendo na medida em que vamos reconhecendo o outro, a alteridade. Claro que isso não é fácil, uma vez que exige renúncia, humildade, saber se colocar no lugar de alguém, considerar não só os nossos desejos e passar a criar relações de parceria, de troca, onde cada um do par cuida para abrir mão da sua prepotência, arrogância, ou seja, um narcisismo destrutivo da dupla.
Ao longo da vida criamos laços, fazemos parte de ‘grupalidades’ em nossa vida amorosa, social e profissional. Participamos de comissões, de agremiações, de diretorias, de cargos de poder, enfim, somos levados a dirigir e realizar alguns projetos representando funções de lideranças. Acontece que toda vez que se chega ao Poder, “o poder tende a subir à cabeça” e aí se formam os líderes messiânicos, prepotentes, donos da verdade, ditadores ou coisa semelhante. Caso nossa saúde psíquica não esteja adequada ao convívio grupal, queremos o poder e queremos sempre permanecer nele. A ciência do bem viver aconselha que as pessoas participem do poder, passem um tempo e saiam, dando lugar aos sucessores. Quando se é tocado pelo veneno do “narcisismo destrutivo”, a tendência é permanecer nesse poder, ainda que seja de uma maneira indireta: “pastores que criam suas ovelhas”, pois elas continuarão a mantê-los na função poderosa criando a figura tão conhecida como “Eminência Parda”.
Essa dinâmica ocorre em casa, no grupo social, nos clubes e em todos os cargos políticos que uma pessoa possa exercer.
“No tempo da maturidade”, dito de outro modo, quando sentimos que essas relações que implicam exercícios de poder, que lidam constantemente com situações de rivalidade, inveja, fantasias de onipotência e onisciência trazem desgastes sérios à nossa saúde física e mental, é hora de sair, de “desapegar-se”, de saber que a passagem chegou ao fim. É hora de recolhimento, de se libertar daquilo que não mais lhe faz bem, enfatiza nosso querido Fernando Pessoa.
A hora da maturidade é o momento em que “confraternização demais” desgasta, e  em que merecemos viver numa relativa distância para que possamos nos dedicar um pouco mais a nós mesmos sem necessariamente nos convertermos em “autistas” ou “anoréxicos afetivos”. Não, a maturidade é a hora do repouso, de nos dedicarmos a outros projetos que não nos exponham a conviver com sentimentos fortes de hostilidade.
Friedrich Nietzsche escreveu o seguinte em uma das suas obras da maturidade (‘Aurora’): "aquele que caminha por suas próprias trilhas é aquele que pode viver uma necessária solidão e recolhimento”.
Pensemos, caro leitor, em várias figuras que exercem o poder e não realizam a sua maturidade; mantêm-se apegadas às lutas que envolvem competições pretensiosas e fantasias de onipotência. Deixo-vos com o poema de Mário Pinto de Andrade – ‘O Valioso Tempo dos Maduros’: 

Contei meus anos e descobri que terei 
menos tempo para viver daqui 
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que
recebeu uma bacia de cerejas.As primeiras,
ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica,
são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário
geral do coral. ?As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos?.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa?

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, caminhar perto de
coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

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Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-moreno. Título original: 'Psicanálise da Vida Cotidiana: o Tempo da Maturidade'. 

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