Por Carlos de Almeida Vieira
(Psicanalista/Psiquiatra)
Nascemos
carregando dentro de nós aquilo que Freud chamou de “narcisismo primário”, ou
dizendo de outro modo, um amor por si mesmo, absoluto, e enxergando tudo como
se fosse extensão do nosso ser. A diferenciação entre Eu e não Eu é um processo
lento, que vai acontecendo na medida em que vamos reconhecendo o outro, a
alteridade. Claro que isso não é fácil, uma vez que exige renúncia, humildade,
saber se colocar no lugar de alguém, considerar não só os nossos desejos e
passar a criar relações de parceria, de troca, onde cada um do par cuida para
abrir mão da sua prepotência, arrogância, ou seja, um narcisismo destrutivo da
dupla.
Ao longo da vida criamos laços, fazemos parte de ‘grupalidades’ em nossa vida
amorosa, social e profissional. Participamos de comissões, de agremiações, de
diretorias, de cargos de poder, enfim, somos levados a dirigir e realizar
alguns projetos representando funções de lideranças. Acontece que toda vez que
se chega ao Poder, “o poder tende a subir à cabeça” e aí se formam os líderes messiânicos,
prepotentes, donos da verdade, ditadores ou coisa semelhante. Caso nossa saúde
psíquica não esteja adequada ao convívio grupal, queremos o poder e queremos
sempre permanecer nele. A ciência do bem viver aconselha que as pessoas
participem do poder, passem um tempo e saiam, dando lugar aos sucessores.
Quando se é tocado pelo veneno do “narcisismo destrutivo”, a tendência é
permanecer nesse poder, ainda que seja de uma maneira indireta: “pastores que
criam suas ovelhas”, pois elas continuarão a mantê-los na função poderosa
criando a figura tão conhecida como “Eminência Parda”.
Essa dinâmica ocorre em casa, no grupo social, nos clubes e em todos os cargos
políticos que uma pessoa possa exercer.
“No tempo da maturidade”, dito de outro modo, quando sentimos que essas
relações que implicam exercícios de poder, que lidam constantemente com
situações de rivalidade, inveja, fantasias de onipotência e onisciência trazem
desgastes sérios à nossa saúde física e mental, é hora de sair, de
“desapegar-se”, de saber que a passagem chegou ao fim. É hora de recolhimento,
de se libertar daquilo que não mais lhe faz bem, enfatiza nosso querido
Fernando Pessoa.
A hora da maturidade é o momento em que “confraternização demais” desgasta, e em que merecemos viver numa relativa distância para que possamos nos dedicar um pouco
mais a nós mesmos sem necessariamente nos convertermos em “autistas” ou
“anoréxicos afetivos”. Não, a maturidade é a hora do repouso, de nos dedicarmos a
outros projetos que não nos exponham a conviver com sentimentos fortes de
hostilidade.
Friedrich Nietzsche escreveu o seguinte em uma das suas obras da maturidade (‘Aurora’): "aquele que caminha por suas próprias trilhas é aquele que pode viver uma necessária solidão e recolhimento”.
Pensemos, caro leitor, em várias figuras
que exercem o poder e não realizam a sua maturidade; mantêm-se apegadas às lutas
que envolvem competições pretensiosas e fantasias de onipotência. Deixo-vos com
o poema de Mário Pinto de Andrade – ‘O Valioso Tempo dos
Maduros’:
menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que
recebeu uma bacia de cerejas.As primeiras,
ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica,
são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário
geral do coral. ?As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos?.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa?
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, caminhar perto de
coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que
recebeu uma bacia de cerejas.As primeiras,
ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica,
são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário
geral do coral. ?As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos?.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa?
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, caminhar perto de
coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
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Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-moreno. Título original: 'Psicanálise da Vida Cotidiana: o Tempo da Maturidade'.
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