Por Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
No recôncavo da praia à
beira-mar, entre as selvas e as várzeas da margem, subia da incerteza do abismo
nulo a inconstância do desejo aceso. Não haveria que escolher entre os trigos e
os muitos [sic], e a distância continuava entre ciprestes.
O prestígio das palavras isoladas, ou reunidas segundo um
acordo de som, com ressonâncias íntimas e sentidos divergentes no mesmo tempo
em que convergem, a pompa das frases postas entre os sentidos das outras,
malignidade dos vestígios, esperança dos bosques, e nada mais que a
tranquilidade dos tanques entre as quintas da infância dos meus subterfúgios…
Assim, entre os muros altos da audácia absurda, nos renques das árvores e nos
sobressaltos do que se estiola, outro que não eu ouviria dos lábios a confissão
negada a melhores insistências. Nunca, entre o tinir das lanças no pátio por
ver, nem que os cavaleiros viessem de volta da estrada vista desde o alto do
muro, haveria mais sossego no Solar dos Últimos, nem se lembraria outro nome,
do lado de cá da estrada, senão o que encantava de noite, com o das mouras, a
criança que morreu depois, da vida e da maravilha.
Leves, entre os sulcos que havia na erva, porque os
passos abriam nadas entre o verdor agitado, as passagens dos últimos perdidos
soavam arrastadamente, como reminiscências do vindouro. Eram velhos os que
haveriam de vir, e só novos os que não viriam nunca. Os tambores rolaram à
beira da estrada e os clarins pendiam nulos nas mãos lassas, que os deixariam
se ainda tivessem força para deixar qualquer coisa.
Mas, de novo, na consequência do prestígio, soavam altos
os alaridos findos, e os cães tergiversavam nas áleas vistas. Tudo era absurdo,
como um luto, e as princesas dos sonhos dos outros passeavam sem claustros
indefinidamente.
----------------------------
In 'O Livro do Desassossego', Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.