segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Nazistas entre nós

Por Juliano Machado

As condenações dos tribunais de Nuremberg, entre 1945 e 1946, trouxeram alguma resposta aos que cobravam punição aos nazistas pelos crimes contra a humanidade na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas uma parte significativa deles conseguiu desfrutar de uma vida quase normal. Muitos fugiram para a América do Sul, onde passaram por cidadãos comuns durante anos.
A busca da impunidade em terras distantes é o tema do livro "Nazistas entre nós - A trajetória dos oficiais de Hitler depois da guerra", do jornalista e historiador Marcos Guterman.

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O autor se debruça sobre seis nazistas que cruzaram o Atlântico. Um deles, considerado o arquiteto do Holocausto, é Adolf Eichmann (1906-1962), que se radicou na Argentina até ser sequestrado pelo Mossad, o serviço secreto israelense, julgado e condenado à morte.
O personagem mais conhecido dos brasileiros, porém, é Josef Mengele (1911-1979), o médico responsável por decidir quem ia direto à morte no campo de Auschwitz e quem lhe serviria de cobaia para cruéis experiências pseudo-científicas.
Mengele passou por Argentina e Paraguai até encontrar abrigo no Brasil, onde morreu impune, afogado numa praia em Bertioga.
O autor faz uma boa síntese do périplo do chamado "Anjo da Morte", mas fica a impressão de que poderia ter avançado mais na pesquisa sobre os personagens em torno de Mengele no Brasil, especialmente os que o acobertaram. Alguém ainda está vivo? Se sim, do que se lembra do nazista? Que imagem ele deixou para as famílias com quem se relacionou?
Ao longo do livro, Guterman expõe as razões pelas quais esses criminosos puderam escapar e foram julgados tardiamente ou nem isso.
As "ratlines" ("linhas de ratos"), como eram conhecidas as redes de fuga de ex-oficiais nazistas, só funcionaram com ajuda de simpatizantes de Hitler, entre eles membros da Igreja e de instituições como a Cruz Vermelha.
Some-se a isso o interesse dos EUA de contar com a "expertise" de nazistas para combater comunistas na Europa. Obcecados em conter a União Soviética na Guerra Fria, os americanos muitas vezes fecharam os olhos para o passado desses alemães.
Por fim, houve a conivência das ditaduras sul-americanas, que ou foram indiferentes com a presença de ex-colaboradores de Hitler (caso do Brasil) ou os receberam com interesse em fazer alianças para repreender opositores de esquerda.
Diante desse cenário, diz Guterman, "estava aberto o caminho para a impunidade de terríveis criminosos de guerra, vergonha da qual o mundo jamais se recuperou".

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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 12/09/2016.