Por Juliano Machado
As condenações dos tribunais
de Nuremberg, entre 1945 e 1946, trouxeram alguma resposta aos que cobravam
punição aos nazistas pelos crimes contra a humanidade na Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), mas uma parte significativa deles conseguiu desfrutar de uma vida
quase normal. Muitos fugiram para a América do Sul, onde passaram por cidadãos
comuns durante anos.
A busca da impunidade em terras distantes é o tema do
livro "Nazistas entre nós - A trajetória dos oficiais de Hitler depois da
guerra", do jornalista e historiador Marcos Guterman.
O autor se debruça sobre seis nazistas que cruzaram o Atlântico. Um deles, considerado o arquiteto do Holocausto, é Adolf Eichmann (1906-1962), que se radicou na Argentina até
ser sequestrado pelo Mossad, o serviço secreto israelense, julgado e condenado
à morte.
O personagem mais conhecido dos brasileiros, porém, é Josef Mengele (1911-1979),
o médico responsável por decidir quem ia direto à morte no campo de Auschwitz e
quem lhe serviria de cobaia para cruéis experiências pseudo-científicas.
Mengele passou por Argentina e Paraguai até encontrar
abrigo no Brasil, onde morreu impune, afogado numa praia em Bertioga.
O autor faz uma boa síntese do périplo do chamado
"Anjo da Morte", mas fica a impressão de que poderia ter avançado
mais na pesquisa sobre os personagens em torno de Mengele no Brasil,
especialmente os que o acobertaram. Alguém ainda está vivo? Se sim, do que se
lembra do nazista? Que imagem ele deixou para as famílias com quem se
relacionou?
Ao longo do livro, Guterman expõe as razões pelas quais
esses criminosos puderam escapar e foram julgados tardiamente ou nem isso.
As "ratlines" ("linhas de ratos"),
como eram conhecidas as redes de fuga de ex-oficiais nazistas, só funcionaram
com ajuda de simpatizantes de Hitler, entre eles membros da Igreja e de
instituições como a Cruz Vermelha.
Some-se a isso o interesse dos EUA de contar com a
"expertise" de nazistas para combater comunistas na Europa. Obcecados
em conter a União Soviética na Guerra Fria, os americanos muitas vezes fecharam
os olhos para o passado desses alemães.
Por fim, houve a conivência das ditaduras sul-americanas,
que ou foram indiferentes com a presença de ex-colaboradores de Hitler (caso do
Brasil) ou os receberam com interesse em fazer alianças para repreender
opositores de esquerda.
Diante desse cenário, diz Guterman, "estava aberto o
caminho para a impunidade de terríveis criminosos de guerra, vergonha da qual o
mundo jamais se recuperou".
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 12/09/2016.