terça-feira, 27 de setembro de 2016

Carta recortada: incandescências de Werther


"Que a vida humana é apenas um sonho já disseram, mas também a mim esta ideia persegue por toda parte. Quando penso nos limites que circunscrevem as ativas e investigativas faculdades humanas; quando vejo que esgotamos todas as nossas forças em satisfazer nossas necessidades; quando constato que a tranquilidade a respeito de certas questões não passa de uma resignação, como se a gente tivesse pintado as paredes entre as quais jazemos presos com feições coloridas – tudo isso me deixa mudo. Meto-me dentro de mim e acho aí o mundo! Mas antes em pressentimentos e desejos que em realidades e ações vivas. E então tudo paira a minha volta, sorrio e sigo, penetrando adiante no universo.
Que as crianças não sabem o porquê de desejarem algo, os pedagogos estão de acordo. Mas também que adultos deambulem sobre a face da terra, sem raízes fixas num único lugar apenas, ninguém parece acreditar. Quanto a mim, parece-me que não há realidade mais palpável do que essa. Concordo de boa vontade que são exatamente essas as pessoas mais felizes.
(...) 
Não poderia desenhar nada agora, nem sequer um traço, embora jamais tenha sido tão grande pintor quanto neste instante. Quando a bruma do vale se levanta a minha volta, e o sol altaneiro descansa sobre a abóbada escura e impenetrável da minha floresta, e apenas alguns escassos raios deslizam."  

(In: GOETHE, Johann W, Os sofrimentos do jovem Werther, Tradução de Marcelo Backes, Porto Alegre: LP&M, 2016)