Por Paulo Gala
(Professor da Fundação Getúlio Vargas; Pesquisador Visitante na
Universidade de Columbia/Nova Iorque e Cambridge/Inglaterra)
Para os clássicos do desenvolvimento econômico, Nurkse, Myrdal,
Rosestein-Rodan, Hirschman, Myrdal, Prebisch e Furtado, as atividades
produtivas são diferentes em termos de suas habilidades para gerar crescimento
e desenvolvimento. Atividades com altos retornos crescentes, alta incidência de
inovações tecnológicas e altas sinergias decorrentes de divisão do trabalho são
fortemente indutoras de desenvolvimento econômico (Reinert 2009, pg. 9). São
atividades onde em geral predominam competição imperfeita e todas as
características desse tipo de estrutura de mercado (importantes curvas de
aprendizagem, rápido progresso técnico, alto conteúdo de R&D, grandes
possibilidades de economias de escala e escopo, alta concentração industrial,
grandes barreiras à entrada, diferenciação por marcas, etc…). Esse grupo de
atividades de alto valor agregado se contrapõe às atividades de baixo valor
agregado, em geral praticadas em países pobres ou de renda média com típica
estrutura de competição perfeita (baixo conteúdo de R&D, baixa inovação
tecnológica, informação perfeita, ausência de curvas de aprendizado, etc.)
(Reinert e Katel 2010, pg 7.).
Para os clássicos, o aumento de produtividade viria justamente da subida da escada tecnológica, migrando de atividades de baixa qualidade para as atividades de alta qualidade, rumo à sofisticação tecnológica da economia (Bresser-Pereira 2014, pg.103). Para isso a construção de um sistema industrial complexo e diversificado é fundamental, sujeito a retornos crescentes de escala, altas sinergias e linkages entre atividades (Reinert 2010, pg.3). A especialização em agricultura e extrativismos não permitiria esse tipo de evolução tecnológica. Como medir empiricamente essas proposições dos economistas clássicos do desenvolvimento? Idealmente se poderia estudar as estruturas de mercado dos principais produtos do mundo revelados no comércio mundial. A partir da classificação dessas estruturas, se poderia correlacionar os produtos e estruturas de mercados encontrados com níveis de renda per capita. Se a proposição dos clássicos estiver correta, deveríamos encontrar países de renda per capita elevada se especializando em atividades de concorrência imperfeita e países pobres se especializando em atividades de concorrência perfeita; algo, aliás, fácil de se constatar numa rápida análise superficial dos padrões de comércio atuais, mas difícil de se comprovar de maneira mais robusta.
Apesar de todas as evidências de história econômica sobre diversos casos de sucesso que seguiram as recomendações dos clássicos (Sudeste Asiático, Japão, Estados Unidos, etc) e também de fracassos, como América Latina e Caribe, faltava uma evidência empírica mais “hard science” para ajudar a reforçar o ponto dos estruturalistas. Eis que surgiu nos últimos anos o Atlas da Complexidade Econômica (Hausmann, Hildalgo et al 2011) como grande inovação empírica, capaz de dar enorme suporte as proposições dos economistas clássicos que viam na sofisticação produtiva o caminho para o desenvolvimento econômico.
Como medir sofisticação produtiva?
Como medir a sofisticação produtiva ou “complexidade econômica” de um país? Hausmann, Hildalgo et al criaram um método de extraordinária simplicidade e comparabilidade entre países numa parceria entre o Media Lab do MIT e a Kennedy School de Harvard (http://atlas.media.mit.edu/). A partir da análise da pauta exportadora de um determinado país são capazes de medir de forma indireta a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo. A metodologia criada para a construção dos índices de complexidade econômica culminou num atlas que reúne extenso material sobre uma infinidade de produtos e países para 50 anos desde 1963. (772 produtos e 144 países em 2012).
Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, raros e complexos, há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo. Claro que há um problema aqui de escassez relativa, especialmente de produtos naturais como diamantes e urânio, por exemplo. Os bens não ubíquos devem ser divididos entre aqueles que têm alto conteúdo tecnológico e, portanto, são de difícil produção (aviões) e aqueles que são altamente escassos na natureza, por exemplo, o nióbio, e, portanto, têm uma não ubiquidade natural. Para controlar esse problema de recursos naturais escassos na medição de complexidade os autores usam uma técnica engenhosa: comparam a ubiquidade do produto feito num determinado país com a diversidade de produtos que esse país é capaz de exportar. Por exemplo: Botsuana e Serra Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo, diamantes brutos. Por outro lado, têm uma pauta exportadora extremamente limitada e não diversificada. Temos aqui então casos de não ubiquidade sem complexidade.
No extremo oposto poderíamos citar equipamentos médicos de processamento de imagem, algo que praticamente só Japão, Alemanha e Estados Unidos conseguem fabricar, certamente um produto não ubíquo. Só que nesse caso as pautas exportadoras de Japão, EUA e Alemanha são extremamente diversificadas, indicando que esses países são altamente capazes de fazer várias coisas. Ou seja, não ubiquidade com diversidade significa “complexidade econômica”. Por outro lado, um país que tenha uma pauta muito diversificada, mas com bens ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios, etc…) não apresenta grande complexidade econômica; ele faz o que todos fazem. Diversidade sem não ubiquidade significa falta de complexidade econômica. O truque dos autores nessas medidas de complexidade é usar a diversidade para controlar a ubiquidade e vice versa.
Nessa linha de raciocínio os autores seguem classificando diversos países e chegam a correlações impressionantes entre níveis de renda per capita e complexidade econômica; esse indicador pode ser tomado como uma proxy do desenvolvimento econômico relativo entre países. Não à toa Japão, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suécia estão sempre entres os 10 primeiros países no ranking dos últimos 10 anos. Não é difícil perceber que o desenvolvimento econômico pode ser tratado como o domínio de técnicas de produção mais sofisticadas que, em geral, levam à produção de maior valor adicionado por trabalhador, como defendiam os clássicos. É isso que o indicador de complexidade econômica acaba capturando de forma bastante engenhosa a partir de medidas de ubiquidade e diversidade da pauta exportadora dos diversos países. Os resultados do atlas também apontam na direção sugerida pelos clássicos do desenvolvimento econômico para padrões de especialização no comércio mundial: países ricos se especializam em mercados de competição imperfeita e países pobres em mercados de competição perfeita, algo que Krugman já havia analisado em suas discussões sobre o assunto.
Proximidade, conectividade e aglomerações
Uma das medidas importantes do atlas da complexidade é a de proximidade. Dois produtos são “próximos” se vários países exportam esse par. Por exemplo, vinhos e uvas. Muitos países exportam só uvas, muitos outros exportam só vinhos, mas uma quantidade razoável de países do bancos de dados exportam ambos, donde se conclui que vinhos e uvas são próximos. Claro que nesse exemplo a conexão é intuitiva, mas em casos mais complicados a metodologia ajuda muito a entender quais produtos estão próximos. Por exemplo, medicamentos e aparelhos de raio x, que estão “próximos”, apesar de não parecer intuitivamente. A importância da “proximidade” está na medida indireta que esta carrega sobre as capacidades locais de produção envolvidas em diversos bens. Com essas proximidades os autores são capazes de construir redes de conexões entre produtos. Os produtos muito próximos uns dos outros formam clusters ou “comunidades” nos termos do atlas. Essas comunidades são depois rankeadas em termos de complexidade de seus produtos. Em geral, os produtos de alta conexão são complexos e os produtos de baixa conexão não são complexos, segundo as medidas do próprio atlas. O exemplo aqui também é bom: petróleo tem pouquíssimas conexões e nenhuma complexidade; no outro extremo, máquinas têm muitas conexões e são bastante complexas. As comunidades complexas abrigam produtos que têm características típicas de estruturas de mercado de concorrência imperfeita; o inverso se aplica para os produtos não complexos.
A evolução da produtividade
A partir dessa perspectiva a dinâmica de produtividade de uma economia depende de sua configuração setorial. Não se trata então de educar mais ou até mesmo capacitar mais os trabalhadores; se trata de estimular e desenvolver os setores corretos. O padrão de especialização produtiva de uma economia é chave para entender o processo de aumento de produtividade. Ser produtivo significa dominar tecnologias avançadas de produção e criar capacidades e competências locais nos setores corretos. Produzir castanhas de caju ou chips de computador, carros ou sapatos, bananas ou computadores faz diferença. Ou seja, o processo de aumento de produtividade de uma economia não é setor-neutro (depende da composição agricultura, serviços e indústria do PIB) e depende do tipo de produto que um país é capaz de produzir. A produtividade da economia não depende dos indivíduos, é algo sistêmico. Trabalhadores inseridos em setores tecnologicamente sofisticados serão produtivos devido às características intrínsecas do setor e não a dos trabalhadores.
As comparações internacionais mostram que o grande diferencial de produtividade entre países está justamente no setor de bens transacionáveis, especialmente nos empregos industriais, longe dos chamados serviços não sofisticados. É bastante intuitivo entender que a produtividade de um garçom, de um motorista, de um piloto de avião ou de um vendedor de loja é praticamente igual na Europa, EUA, Ásia e Brasil. Até mesmo na construção civil, mesmo com auxílio de máquinas mais sofisticadas, a produtividade entre trabalhadores dos diversos países não é muito distinta. A altíssima produtividade dos países ricos ocorre então em outros setores que não esses, com destaque para os serviços sofisticados e indústria. A produtividade é, em grande medida, setor-específica e não trabalhador-específica. São ricos os países que cultivam seus setores de bens transacionáveis e de serviços sofisticados (EUA, Japão, Alemanha, nórdicos, sudeste asiático, etc) (Balassa, 1964).
A relação centro-periferia
O mapa abaixo retirado do atlas da complexidade econômica mostra o espaço produtivo de 120 países no comércio internacional de 750 produtos em 2012. As cores representam categorias de produtos, sendo os mais sofisticados as máquinas e equipemos na cor azul no centro. No cinturão externo estão as commodities agrícolas, minerais e energéticas. Os produtos altamente complexos estão no centro da rede e os de baixa complexidade estão na periferia. Os países ricos produzem e exportam os produtos do centro da rede, os países pobres produzem e exportam os produtos da periferia da rede – como diria a CEPAL.
Apêndice
Referencias
1. Rainer Kattel & Erik S. Reinert, 2010. “Modernizing Russia: Round III. Russia and the other BRIC countries: forging ahead, catching up or falling behind?,” The Other Canon Foundation and Tallinn University of Technology Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics 32, TUT Ragnar Nurkse School of Innovation and Governance.
2. Erik S. Reinert, 2010. “Developmentalism,” The Other Canon Foundation and Tallinn University of Technology Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics 34, TUT Ragnar Nurkse School of Innovation and Governance.
3. Rainer Kattel & Jan A. Kregel & Erik S. Reinert, 2009. “The Relevance of Ragnar Nurkse and Classical Development Economics,” The Other Canon Foundation and Tallinn University of Technology Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics 21, TUT Ragnar Nurkse School of Innovation and Governance.
4. Bresser-Pereira, L.C., 2014, A Construção Política do Brasil, Editora 34, São Paulo, Brazil.
5. C. A. Hidalgo, B. Klinger, A.-L. Barabási, and R. Hausmann, “The Product Space Conditions the Development of Nations”, Science 27 July 2007: 317 (5837), 482-487. DOI:10.1126/science.1144581.
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Fonte: http://www.paulogala.com.br/
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Fonte: http://www.paulogala.com.br/