sexta-feira, 26 de junho de 2015

Relembrar e viver: um fio de afeto e esperança

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Presidente chileno Salvador Allende e o poeta 
Pablo Neruda 

Dizia Hegel, como já escrevei aqui e alhures, que o indivíduo, ao morrer, regressa à indiferencialidade da natureza, cancelando-se a sua extensividade ativa e consciente. Cindindo-se o ser individual do agir no morto, ele torna-se uma singularidade vazia e passiva. Passa a ser lembrança de um nome carente de realidade. Este nome é somente nome para os outros que o lembram. Ele deixou de ser nome para si mesmo. Por isto, a maioria dos mortos permanece como uma lembrança quieta na sombra das famílias, e então assim pode-se dizer que esta visão sobre a morte constitui o lado morto do morto ou a morte do indivíduo propriamente natural. Pode-se então se estabelecer uma analogia em relação àquilo que a perspectiva hegeliana chamou de ruínas históricas. A morte as ruínas históricas evocam necessariamente uma reflexão sobre a degradação temporal, sobre o irrecorrível desaparecimento dos indivíduos e das coisas. Os sentimentos que experimentamos perante este tribunal do tempo nos provocam uma deprimente tristeza. Constatamos que uma vitalidade consciente, um indivíduo estimado e querido, teve de morrer e nos atormentamos no desconsolo das lembranças. Somente com o nosso retorno ao mundo activo da história dos seres humanos vivos, podemos nos  reconciliar com a universalidade da vida. Quer dizer, é na reconciliação com a vida, que nos nega consolo, que temos o lugar onde poderemos encontrar a valorização do desaparecido. Contudo, não como desaparecido, mas na expressão de sua universalidade vivida, no produto de sua atividade, que se apresenta como legado, e na significação exemplificativa de sua vida. Com este preâmbulo, quero trazer à memória a figura do ex-Presidente chileno Salvador Allende, que resistiu até a morte, de arma na mão, no palácio presidencial, ao Golpe de Estado patrocinado pelos Estados Unidos e conduzido pelos militares chilenos, em 11 setembro de 1973, e que instaurou no país uma das ditaduras mais cruéis da América Latina. Amigo do poeta Pablo Neruda, que também foi embaixador do Chile, o Companheiro-Presidente, como Allende era conhecido, constitui-se num exemplo raro de ombridade e coerência  que as novas gerações devem conhecer na tentativa de regenerar a política em países como o Brasil. Mas também para que se perceba que a trama golpista que contra ele foi armada continua presente nos dias atuais na América Latina. O poeta Pablo Neruda, que em condições ainda não totalmente esclarecidas faleceu pouco tempo depois da morte de Allende, indicou bem o horizonte a se ter em vista, considerando-se a história do Companheiro-Presidente: "E a minha voz nascerá de novo/talvez noutro tempo sem dores/sem os fios impuros que emendaram/negras vegetações ao meu canto/e nas alturas arderá de novo/o meu coração ardente e estrelado." Uma política diferente, com afeto, convicção e esperança. Aí abaixo, uma breve crônica, que foi escrita por Eduardo Galeano, sobre os referidos acontecimentos de setembro de 1973 no Chile. 

Presidente Salvador Allende, ao centro, resistindo ao
Golpe de Estado no Palácio de La Moneda 

Por Eduardo Galeano

Por valija diplomática llegan los verdes billetes que financian huelgas y sabotajes y cataratas de mentiras. Los empresarios paralizan a Chile y le niegan alimentos. No hay más mercado que el mercado negro. Largas colas hace la gente en busca de un paquete de cigarrillos o un kilo de azúcar; conseguir carne o aceite requiere un milagro de la Virgen María Santísima.

La Democracia Cristiana y el diario «El Mercurio» dicen pestes del gobierno y exigen a gritos el cuartelazo redentor, que ya es hora de acabar con esta tiranía roja; les hacen eco otros diarios y revistas y radios y canales de televisión. Al gobierno le cuesta moverse; jueces y parlamentarios le ponen palos en las ruedas, mientras conspiran en los cuarteles los jefes militares que Allende cree leales.
En estos tiempos difíciles, los trabajadores están descubriendo los secretos de la economía. Están aprendiendo que no es imposible producir sin patrones, ni abastecerse sin mercaderes. Pero la multitud obrera marcha sin armas, vacías las manos, por este camino de su libertad. Desde el horizonte vienen unos cuantos buques de guerra de los Estados Unidos, y se exhiben ante las costas chilenas. Y el golpe militar, tan anunciado, ocurre.

Allende
Varias veces ha dicho que no tiene pasta de apóstol ni condiciones para mártir. Pero también ha dicho que vale la pena morir por todo aquello sin lo cual no vale la pena vivir.
Los generales alzados le exigen la renuncia. Le ofrecen un avión para que se vaya de Chile. Le advierten que el palacio presidencial será bombardeado por tierra y aire. Junto a un puñado de hombres, Salvador Allende escucha las noticias. Los militares se han apoderado de todo el país. Allende se pone un casco y prepara su fusil. Resuena el estruendo de las primeras bombas. El presidente habla por radio, por última vez: —Yo no voy a renunciar...

La reconquista de Chile
Una gran nube negra se eleva desde el palacio en llamas. El presidente Allende muere en su sitio. Los militares matan de a miles por todo Chile. El Registro Civil no anota las defunciones, porque no caben en los libros, pero el general Tomás Opazo Santander afirma que las víctimas no suman más que el 0,01 por 100 de la población, lo que no es un alto costo social, y el director de la CIA, William Colby, explica en Washington que gracias a los fusilamientos Chile está evitando una guerra civil. La señora Pinochet declara que el llanto de las madres redimirá al país. Ocupa el poder, todo el poder, una Junta Militar de cuatro miembros, formados en la Escuela de las Américas en Panamá. Los encabeza el general Augusto Pinochet, profesor de Geopolítica. Suena música marcial sobre un fondo de explosiones y metralla: las radios emiten bandos y proclamas que prometen más sangre, mientras el precio del cobre se multiplica por tres, súbitamente, en el mercado mundial.
El poeta Pablo Neruda pide noticias del terror. De a ratos consigue dormir y dormido delira. La vigilia y el sueño son una única pesadilla. Desde que escuchó por radio las palabras de Salvador Allende, su digno adiós, el poeta ha entrado en agonía.

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Fonte: Da Triología Memoria del Fuego. 

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