Ecoa por estes dias a fala do ex-Presidente Lula na qual, com uma só tacada, ele bateu forte em duas crias suas: o Governo Dilma e o próprio PT. Arredondando por baixo, para o primeiro, no mínimo, sobram adjetivos como 'inerte' e 'desastroso'; para o segundo, fazendo inferência direta do que foi dito pelo ex-Presidente, conclui-se que a preocupação dos petistas, agora, é apenas com os bolsos, pois, conforme brandiu o ex-mandatário, eles só pensam em ganhar eleições e manter cargos, quer dizer, o projeto é ganhar dinheiro. Ora bem, muitos aspectos chamam a atenção desse arroubo retórico, cabendo destacar dois: 1) a circunstância em que o ex-Presidente 'deitou essa falação', ou seja, em um convescote ao lado de Felipe González, ex-Premier espanhol, que tem sérias contas a acertar com a ética na política, embora hoje ande pela América Latina imiscuindo-se em questões internas dos seus países; 2) internamente no PT, foi o próprio Lula e o seu grupo quem conduziram a linha política que levou o partido a fazer todo tipo de alianças para ganhar eleições, sendo um exemplo paradigmático disso o acordo com Paulo Maluf em São Paulo, para eleger Fernando Haddad. Diante dos fatos, analistas fizeram correr tinta com teses sobre as motivações da nova postura lulista: uma nova estratégia política em função das eleições presidenciais de 2018? Quer enquadrar o PT? Romper com a Presidente Dilma? Embora com eventuais pontos de acerto aqui e acolá, as análises, com pouquíssimas exceções, erram o 'diagnóstico'. Ao que parece, o que o ex-Presidente busca é salvar a sua própria pele, prevendo os desdobramentos que a Operação Lava Jato pode ter e a possibilidade de uma decretação de prisão sua pelo juiz Sérgio Moro. Então cria uma cortina de fumaça. Instinto de sobrevivência é capaz de muita coisa. Resta saber se o do ex-Presidente chega ao ponto de rejeitar as suas próprias crias, para sair ileso, como até agora tem saído dos casos desabonadores dos anos petistas na Presidência da República. O cálculo dos riscos não é pequeno, porque, pelos últimos acontecimentos, parece provável que a oposição jogará pesado no segundo semestre, dando sequência ao roteiro do golpismo. A propósito, o cientista social André Singer (USP) conseguiu captar bem isso no artigo aí abaixo.
Trabalho de Singer é pioneiro na investigação das bases constituintes do lulismo |
Por André Singer
Ao
pedir, pela primeira vez na história, explicações pessoais a um presidente da
República sobre supostas irregularidades, o Tribunal de Contas da União (TCU)
anunciou que haverá continuação da saga impeachment. O roteiro estava escrito
quando o senador Aécio Neves (PSDB-MG) recuou do pedido de impedimento contra
Dilma Rousseff, mas ainda não era seguro que seria filmado.
Na ocasião, o presidente do PSDB pediu à
afoita bancada do partido na Câmara para que esperasse o julgamento das contas
de 2014 pelo TCU. A depender do resultado, a película seria continuada. Com a
inédita decisão de dar 30 dias de prazo para que a mandatária se explique, o
TCU garantiu a continuação da trama que teve sucesso de público na estreia de
março/ abril deste ano.
Pela hostilidade ao Executivo que existe no
referido órgão, o script da parte 2 começa como thriller. Conseguirá a Rainha
evitar que os guardiões da responsabilidade orçamentária, encastelados no TCU,
rejeitem as pedaladas fiscais? Caso isto aconteça, o governo teria como impedir
que o Congresso referende a decisão do TCU e reprove as contas do ano
eleitoral? Nesta hipótese, os cavaleiros do apocalipse contarão com armas
suficientes para entrar com o pedido atômico de impedimento, em nome de crime
de "irresponsabilidade fiscal"? Disparado o míssil, terá acolhimento
do Menino Maluquinho 1, que dirige a Câmara e decide sobre o assunto?
Deve-se reconhecer que o "plot" é
assustador. Mas o artificialismo do conteúdo é tão gritante que a plateia, na
prática, dorme. Para começar, porque há um pressuposto mal resolvido. Segundo o
jurista Miguel Reale Jr., não pode haver processo para impedir o mandato de um
presidente por algo cometido em mandato anterior. Como a suposta
irresponsabilidade fiscal se refere a Dilma 1, não haveria como impedir Dilma 2
em nome dela. Reale sugere, em troca, uma ação penal junto à Procuradoria Geral
da República.
Em segundo lugar, porque o caráter político
do TCU, vinculado ao Congresso, é óbvio. Lá, dois terços dos ministros são
indicados para o cargo por políticos para atuar no controle político dos
administradores. Até uma criança percebe, e o filme é de indicação livre, a
intenção de emparedar uma presidente que está em situação de patente
fragilidade popular.
A plateia acha que pedidos de explicação
sobre a execução orçamentária são legítimos e talvez devessem acontecer com
maior frequência. Mas percebe que, no caso, está a serviço de montar um
blockbuster de péssima qualidade, com atores canastrões e efeitos especiais
duvidosos. Mesmo assim, ao menos parte do segundo semestre deve ser tomada por
essa encenação fraca.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2015/06/1645452-golpe-branco-parte-2.shtml
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