Galileu diante do Tribunal da Inquisição: farsa religiosa perseguindo a ciência, como hoje na PUC-SP |
Por Vladimir Safatle
(Professor Titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP)
Na
semana passada, o sr. Francisco Borba Ribeiro publicou (Folha, 2/6) uma defesa
da decisão tomada pela PUC-SP, de rejeitar a criação de uma Cátedra Michel
Foucault. Não, disse o sr. Ribeiro, não se trata de nenhuma reação
obscurantista contra um filósofo que não "tem afinidade com o pensamento
católico". Trata-se apenas de uma reafirmação aparentemente legítima dos
princípios de uma instituição que, "num mundo repleto de identidades
líquidas, pensamentos débeis e opiniões passageiras", acredita ter encontrado
a verdade há séculos.
Os
professores poderão continuar a dar seus cursos sobre Foucault, diz o
representante da PUC, mas não esperem que a referida instituição permita que
eles desenvolvam cátedras responsáveis por federar pesquisas envolvendo outras
instituições, conservar materiais que possam alimentar o interesse dos alunos e
receber professores convidados. Segundo ele, uma cátedra é um "ente
honorífico", e não há questão de honorar alguém como Foucault. Mas a
colocação é simplesmente falsa. Qualquer universitário no mundo inteiro sabe
que uma cátedra é um instrumento academicamente importante de fortalecimento de
pesquisa, visibilidade e intercâmbio.
Tudo isto é uma afronta inaceitável ao ensino
de filosofia no Brasil. Não cabe à igreja e às suas pretensas verdades
seculares limitar a possibilidade do desenvolvimento de saberes na área de
filosofia. No entanto, é isto o que está a ocorrer. Faz parte da espinha dorsal
de um estado laico defender suas universidades como espaços nos quais
diferentes concepções de verdade podem se confrontar e serem igualmente
respeitadas. Uma universidade não conhece "verdades encontradas há
séculos", mas está disposta a permitir o questionamento de toda e qualquer
verdade que queira se colocar enquanto tal.
Se a PUC quer agir como um seminário católico,
então ela deve abrir mão de seu credenciamento como universidade e se contentar
em ser um seminário católico. Uma universidade que não aceitaria, por exemplo,
uma Cátedra Voltaire ou uma Cátedra Spinoza por eles não terem afinidades como
o pensamento do dono não pode ser chamada de universidade. Nossos departamentos
de filosofia ensinam São Tomás de Aquino e o ateu Diderot, Marx e o liberal
John Locke, Santo Agostinho, Nietzsche, o protestante Kierkegaard e qualquer um
deles poderia receber uma cátedra em qualquer universidade pública brasileira.
Não há razão alguma para aceitarmos ser diferente na PUC.
As áreas de filosofia e teologia são ligadas
nas agências federais de fomento. Por esta razão, é de se esperar que os
responsáveis pela área de teologia se manifestem contra tal ataque ao ensino de
filosofia. Do contrário, não sei por que nos colocaram juntos.
---------------
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/222016-obscurantismo-sim.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário