sábado, 27 de junho de 2015

A consciência de si, a montanha e a sabedoria



Por Leont Etiel
 Entre o deserto de quem tem como companhia a palavra não dita e a imensidão das montanhas, Ravi Sharma foi tomado por um cansaço visionário. Levantava-se um dia coberto de frio. Do alto, ele avistava uma cidade submersa em branco e sentia um sopro gélido que atravessava o firmamento. Introspecto com a cena que a imagem gerava, de si para si, deliberou o que fazer lançando mão das palavras de Hojo: “No lago crescem inumeráveis lótus/os pinhões me oferecem alimento ilimitado/o mundo descobriu o meu refúgio/então, devo fixar a minha morada/no ponto mais recôndito da montanha.”
Dizendo assim, Ravi pronunciou kesa, do sânscrito kassaya, para arrumar o manto, feito no sul da Índia e símbolo da transmissão do conhecimento do mestre ao discípulo, entendido o mesmo como mergulho em si e a (auto)consciência que ele proporciona. Ravi mirou o topo da montanha e ensaiou passos, ao mesmo tempo em que, em seu cerne, acionava o desterro sancionado pelo silêncio sob a indução voluntária da solidão.
Pensou, não é mais tempo de bonnos, do que não tem profundidade, é aparente, falso e engana o discernimento; é tempo, imaginou Ravi, de mushotoku, da ação sem outras intenções e sem espera de recompensas. Concluindo isso, acostou-se em palavras várias vezes repisadas por discípulos de Lao Tsé: “O autêntico sábio/é um homem inteligente/reúne, junta e mescla/todas e cada uma das existências/realizando a fusão do todo/consegue criar o Eu/o espírito genuíno de cada coisa/funde todas as existências/segundo o seu espírito.”
No caminho ao topo da montanha, viu como, na profundidade dos bosques, árvores envelhecem intactas. E como que um impulso que lhe fez apressar os passos, lembrou que as flores, apesar do seu perfume, são machucadas por mãos bárbaras. Ravi já havia andado muito, e o dia  começava a se despedir. Do crepúsculo, exibindo e ocultando os sinais do dia, para fazer a transição ao noturno, emanavam luz e mistério como uma espécie de convite ao porvir.
Com mais alguns passos, Ravi deu-se conta de que havia chegado ao cume da montanha. Teve a sensação de transvivenciação. Apertou a kesa e, apreciando a elevação de pensamento, experimentou a fusão dos sentimentos de vida e de morte numa única realidade que tornava a sua existência desprovida de dor e sofrimento. Paz. Evasão do egocentrismo. Realização da sabedoria.


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