Por Leont Etiel
Entre
o deserto de quem tem como companhia a palavra não dita e a imensidão das
montanhas, Ravi Sharma foi tomado por um cansaço visionário. Levantava-se um
dia coberto de frio. Do alto, ele avistava uma cidade submersa em branco e
sentia um sopro gélido que atravessava o firmamento. Introspecto com a cena que
a imagem gerava, de si para si, deliberou o que fazer lançando mão das palavras
de Hojo: “No lago crescem inumeráveis lótus/os pinhões me oferecem alimento
ilimitado/o mundo descobriu o meu refúgio/então, devo fixar a minha morada/no
ponto mais recôndito da montanha.”
Dizendo
assim, Ravi pronunciou kesa, do sânscrito
kassaya, para arrumar o manto, feito
no sul da Índia e símbolo da transmissão do conhecimento do mestre ao
discípulo, entendido o mesmo como mergulho em si e a (auto)consciência que ele
proporciona. Ravi mirou o topo da montanha e ensaiou passos, ao mesmo tempo em que,
em seu cerne, acionava o desterro sancionado pelo silêncio sob a indução
voluntária da solidão.
Pensou,
não é mais tempo de bonnos, do que
não tem profundidade, é aparente, falso e engana o discernimento; é tempo, imaginou
Ravi, de mushotoku, da ação sem
outras intenções e sem espera de recompensas. Concluindo isso, acostou-se em
palavras várias vezes repisadas por discípulos de Lao Tsé: “O autêntico sábio/é
um homem inteligente/reúne, junta e mescla/todas e cada uma das existências/realizando
a fusão do todo/consegue criar o Eu/o espírito genuíno de cada coisa/funde
todas as existências/segundo o seu espírito.”
No
caminho ao topo da montanha, viu como, na profundidade dos bosques, árvores
envelhecem intactas. E como que um impulso que lhe fez apressar os passos, lembrou
que as flores, apesar do seu perfume, são machucadas por mãos bárbaras. Ravi já
havia andado muito, e o dia começava a
se despedir. Do crepúsculo, exibindo e ocultando os sinais do dia, para fazer a
transição ao noturno, emanavam luz e mistério como uma espécie de convite ao
porvir.
Com
mais alguns passos, Ravi deu-se conta de que havia chegado ao cume da montanha.
Teve a sensação de transvivenciação. Apertou a kesa e, apreciando a elevação de pensamento, experimentou a fusão
dos sentimentos de vida e de morte numa única realidade que tornava a sua
existência desprovida de dor e sofrimento. Paz. Evasão do egocentrismo. Realização da
sabedoria.
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