quarta-feira, 17 de junho de 2015

O tempo que nos resta



Por Fernando Evangelista


Minha crise existencial começou numa longínqua manhã de agosto de 2012, exatamente às 15h58min, quando a norte-americana Katie Ledecky tocou sua mão direita na borda da piscina do Parque Aquático de Londres e sagrou-se campeã olímpica de natação. Katie tinha 15 anos de idade.

“Ultimamente têm passado muitos anos”, percebeu Rubem Braga décadas atrás. E eles, os anos, parecem mais velozes e fugidios do que a adolescente americana, nascida em 17 de março de 1997. Valha-me Deus, 1997 foi logo ali, quase um piscar de olhos, quase anteontem. Certo? Errado – faz um tempão.
Em março de 1997, o Brasil mal conhecia o tenista Guga Kuerten – passou a conhecê-lo depois da vitória em Roland Garros, em junho daquele ano. Logo em seguida, outro cabeludo surpreenderia o mundo, sendo anunciado – com pompa e capim – como o primeiro mamífero clonado da história. Muita água poluída correu sob a ponte: Guga está aposentado e a ovelha Dolly já passou desta para a melhor.   
Foi o ano do Guga, da Dolly e do escândalo da compra de votos no Congresso, para aprovação da emenda da reeleição do Fernando Henrique Cardoso, que na época não gostava de maconha. Lula e o PT eram baluartes da ética e denunciaram a falcatrua.
Quando a campeã olímpica nasceu, ninguém conhecia a inglesa J. K. Rowling, porque a saga Harry Porter ainda não havia sido lançada. A Princesa Diana não havia morrido, Titanic era uma famosa tragédia marítima (e não um estrondoso sucesso cinematográfico) e a seleção francesa de futebol havia derrotado o Brasil apenas uma vez, na Copa de 1986.
Alhos e bugalhos à parte, há algo em comum entre navios, ex-presidentes, bruxos ingleses, uma princesa samaritana e a seleção brasileira. Todos prometeram fantasia e um final redentor, bateram recordes de popularidade e, em certos momentos, nos deram a sensação de invulnerabilidade. 
Entretanto, a história ensina e a morte confirma, essas promessas só funcionam na literatura de ficção, porque na ficção da política ou mesmo na vida real, elas frequentemente acabam em retumbantes quebrações de cara, em naufrágios irremediáveis, como aquele (já faz tanto tempo) jogo entre Brasil e Alemanha na Copa de 2014. 
Voltando ao passado remotíssimo, Neymar tinha 5 anos em 1997 e o maior medalhista olímpico da história, o anfíbio Michael Phelps, 12. Em 1997, a internet engatinhava e o bate-papo virtual mais conhecido era um troço chamado mirc – que a gurizada só usava depois da meia-noite por causa da conta telefônica. Não existia tela-plana, televisão HD, iPads, iPods, Android ou Michel Teló.
Para não pensar na rapidez do tempo, resolvi desperdiçá-lo na internet. E passei a vasculhar nas gavetas virtuais a identidade do esportista mais velho a conquistar uma medalha olímpica. Este deveria ser a minha referência e exemplo. Tremi de emoção ao descobrir que o mais velho atleta olímpico a ganhar uma medalha tinha 72 anos.
O sueco Oscar Swahn – este é o nome do vovô – conquistou medalha de bronze nos jogos olímpicos da Antuérpia em 1920. Tudo perfeito, não fosse um detalhe: ele ganhou medalha e fama mundial praticando “Tiro Duplo ao Veado”. Sendo eu vegetariano e a favor da diversidade, este sueco foi uma baita decepção.
Depois da descoberta deste vovô, até alegrei-me com o ouro conquistado pela adolescente Katie Ledecky, que poderia estar por aí matando bichos, mas vive de superar limites e bater recordes, numa luta constante contra o tempo. 
E esta parece ser a grande ironia porque quanto mais os homens e as mulheres superam cronômetros e limitações, o tempo se defende correndo mais e mais, para que ninguém o alcance, nem mesmo o jamaicano Usain Bolt.
A nós, pobres mortais, medalhistas ou não, cabe a tarefa de lembrar o tempo que passou e, a partir daí, usufruir o tempo que nos resta.   

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Fonte: http://www.notaderodape.com.br/

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