Por Júnia Puglia
A velhice pode ser o nosso tempo de ventura. O animal está morto, ou
quase morto. Restam o homem e a alma
(Jorge Luís Borges)
(Jorge Luís Borges)
Para que tanto investimento na prolongação da vida, se
ninguém quer ficar velho? É só uma provocação... Graças aos avanços na ciência
e no conhecimento sobre como funcionam nossos corpos e mentes, estamos vivendo
um momento de grande virada na perspectiva de tempo que nos cabe viver. E me
parece justo querermos ser velhinhos saudáveis, lúcidos e lépidos, capazes de
aproveitar tudo que a vida pode oferecer até o momento final – porque este vai
chegar mesmo, não tem jeito. A questão é que envelhecer tem um preço,
frequentemente alto, como tenho observado, pois continua sendo impossível
determinar o futuro, em qualquer etapa da vida.
Bem, mas no ponto em que me encontro, da
maturidade, ou da meia-idade, como já quase nem se diz, posso olhar pra trás
com uma distância que me coloca a infância e a juventude em perspectiva. À
parte o espelho, que, como sabemos, insiste em refletir o que ele mesmo decide
sobre a nossa aparência e os nossos corpos, esse distanciamento me conta coisas
muito interessantes. A primeira e mais importante delas é que eu teria me
poupado muita ansiedade e energia emocional se, aos vinte anos, tivesse
podido desfrutar da serenidade e da ironia de agora. Ficamos todos querendo,
né, inclusive porque a outra coisa que vem com o tempo é a constatação de que
cada momento vivido teve a sua função naquilo que somos hoje.
As contas que fazíamos são outro dado
importante. Lembra quando gastávamos horas de sono calculando quantos
centímetros de afeto havíamos recebido em troca dos metros oferecidos? Ou
quando tínhamos a expectativa de receber quarenta quilos de atenção da família
e só entregavam quinze? Ou nos sentíamos em falta com alguém por não suportar
mais do que dez minutos ouvindo sua conversa, quando a pessoa havia nos aturado
horas a fio contando as peripécias das férias? Ou quando esperávamos afagos e
reverências em troca do investimento material e afetivo em alguém? Ou quando
contávamos as horas de espera por um encontro amoroso, para depois mandar a
fatura? E como nos achávamos maravilhosos quando as contas eram positivas a
nosso favor? E como doía cada vez que constatávamos prejuízo na contabilidade?
Quanto a mim, acabou, já deu. Zerei a planilha
da contabilidade afetiva, por desistência de lidar com esses cálculos chatos,
difíceis, sofridos e inúteis, que não dependem só de mim e me consumiam uma
energia preciosa. Tudo o que entra passa a ser lucro. E não porque eu seja uma
flor de pessoa, mas porque quero me poupar aborrecimentos. Quem sabe assim, se
eu chegar a ficar velhinha – saudável, lúcida e lépida, por favor! –, possa rir
demais e lamentar de menos.
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Fonte: http://www.notaderodape.com.br
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