Às vezes tenho francamente a impressão que determinados professores universitários há muito tempo deixaram de ler a bibliografia especializada sobre a escola, sobretudo com as configurações que ela tem hoje, com a crise cognitiva, o problema da violência, a questão das drogas lícitas e ilícitas, o bullying, as dificuldades docentes, etc. E ainda, possivelmente, há muito tempo também não entram numa escola em dias de ''atividades normais'. Só assim pode-se entender tanta fantasia, coisa do 'mundo da lua', no que dizem a respeito de como os docentes da escola básica devem atuar. Mas, agora, eles também têm a companhia de uma autoridade federal, com disparates do tamanho do Brasil, em torno da dita 'Pátria Educadora', conforme nos aponta o Prof. Arnaldo Niskier, no texto a seguir, originalmente intitulado 'Faltam Newtons e Darwins'.
Por Arnaldo Niskier
(Doutor em Educação e Prof. Emérito da Universidade Cândido Mendes)
O Brasil é um país de contrastes. Aliás,
contrastes e surpresas. Veja-se o caso do ajuste fiscal. O governo realiza um
corte profundo nos investimentos sociais, pegando inclusive a educação. No
barato, cerca de R$ 9 bilhões foram subtraídos dos projetos governamentais,
sacrificando a extensão de metas como Fies e Pronatec, ambos fartamente
referidos na campanha eleitoral.
Enquanto devemos nos
acostumar com isso, sobra espaço para a perplexidade causada pelo documento
dado à luz pelo ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República.
Roberto Mangabeira
Unger tirou da sua cartola de mágico nada menos de 29 laudas, propondo uma
série de modificações na estrutura do Ministério da Educação.
Isso justamente
quando estamos nos acostumando com a presença à sua frente do ministro Renato
Janine Ribeiro, que tem tudo para dar certo depois de algumas experiências
frustrantes. Ele é do ramo e goza da confiança da praça. Por que a tentativa de
enfraquecê-lo?
Não podemos entender
o trabalho de Mangabeira Unger de outra forma. Ele propõe a criação de novos
conselhos e uma série de experiências descabidas. É claro que isso, se
aplicado, representaria mais ônus para a infernal máquina do Ministério da
Educação. Há certas coisas que são mesmo de difícil compreensão.
O documento é uma
proposta preliminar para discussão. Apresenta diretrizes de um projeto nacional
de qualificação do ensino básico. Tem o título de "Pátria Educadora: a
Qualificação do Ensino Básico como Obra da Construção Nacional".
É pomposo, mas não
representa nada, embora pretenda identificar refundadores ou libertadores da
nação. Cita a grande figura de Anísio Teixeira, um pouco posto de lado pelos
nossos últimos reformadores.
Com muita pretensão,
o trabalho da Secretaria de Assuntos Estratégicos sugere "mudar a maneira
de ensinar e de aprender". É contra o enciclopedismo raso e informativo.
Pretende reorientar o currículo e qualificar diretores e professores, por meio
de novas tecnologias.
De onde sairão
recursos para isso tudo? Nada é viável se não houver o comprometimento dos
sistemas estaduais e municipais, notoriamente deficientes e com escassos
recursos.
O trabalho oficial
sugere a reorientação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para
financiar esses devaneios ou então fazer o que lhes parece mais simples:
emendar a Constituição para viabilizar o empenho das bases.
Francamente, parece
que esses técnicos vivem no mundo da lua, inclusive quando propõem a criação de
um colegiado transfederal para cumprir a tarefa corretiva. Com tais
providências, eles acham que poderá ocorrer a substituição progressiva da
decoreba enciclopédica por capacidade analítica.
Isso será feito mais
facilmente com modificações do Enem e a formulação de protocolos
disponibilizados aos professores. Delírio? Pode ser, mas segundo Mangabeira
Unger é o melhor caminho para descobrir novos Newtons e Darwins. Será que é tão
simples assim?
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/221601-faltam-newtons-e-darwins.shtml
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