Há quinze anos, numa estadia de estudos em Paris, ouvi de uma alemã, surpresa, com quem divida a morada, que eu era um 'brasileiro diferente'. Quis então entender a afirmativa, e ela foi ainda mais enigmática: disse que os brasileiros contrariavam Spinoza, mostrando, em seguida, uma passagem de uma obra dele que estava a ler, que diz: "A esperança é a alegria inconstante nascida da ideia de coisa futura ou passada de cujo desenlace duvidamos em certa medida. O medo é a tristeza inconstante nascida da ideia de coisa passada ou futura de cujo desenlace duvidamos em certa medida. Segue dessas definições que não há esperança sem medo e nem medo sem esperança. (…). Quem está suspenso na esperança – duvida do possível desenlace –, teme enquanto espera, quem está suspenso no medo – duvida do que possa acontecer –, espera enquanto teme." Bom, então o que ela queria dizer era que os brasileiros fazem da vida uma carnavalização permanente, "só alegria", "só emoção", e "nem um pingo de racionalidade". Disse-lhe que apanhava o mesmo pensamento de Spinoza lingando-lhe a uma formulação gramsciana que me é cara: pessimismo da razão, bondade da vontade. Os anos passaram, mas, de quando em quando, apanho-me pensando no episódio. Hoje foi desses dias, ao revirar antigas fotografias e ler as notícias da conjuntura brasileira. Ao que parece, os próximos tempos no país vão requerer, e muito, o exercício do pessimismo da razão e do otimismo da vontade. Quatro notas a respeito:
1) Quem imaginava que, com o "esgotamento" das manifestações de rua contra o Governo, este sairia das cordas do ringue, repense. A posição do Tribunal de Contas da União (TCU), passando por cima da sua própria jurisprudência, ao indicar a tendência de rejeição das contas governamentais aportará combustível novo ao debate sobre o impeachment.
2) Logo após a posse da Presidente Dilma, diante das críticas da oposição, escrevi aqui e numa revista portuguesa que buscar-se-ia o impeachment. Na altura, recebi diversos e-mails dizendo que isso não ocorreria, que era uma perspectiva sem sustentação empírica. Não demorou muito para a movimentação nesse sentido começar a ocorrer. Pois bem, agora afirmo o seguinte: a hipótese de o ex-Presidente Lula ser colocado no centro das investigações da Operação Lava Jato subiu ao telhado, inclusive até mesmo com a possibilidade de decretação de prisão preventiva/temporária (e nisso não vai juízo de valor). A detenção do Diretor-Presidente da Odebrecht, maior empreiteira do país, é uma clara sinalização de que o juiz Sérgio Moro quer chegar ao ex-Presidente, tratando nos papeis apreendidos pala Polícia Federal como 'Brahma' - não sabemos se em referência a um dos deuses da trindade do hinduísmo (junto com Shiva e Vishnu) ou se em alusão à marca de cerveja. E um complicador para o ex-Presidente: ele não tem prerrogativa de foro, pois, no momento, não detém mandato eletivo.
3) A profundidade dos efeitos da crise e as consequência do ajuste fiscal ainda estão por vir. Pelos escaninhos do setor educacional, por exemplo, além dos cortes orçamentários já efetuados, atrasos nos pagamentos de bolsas de programas e da pós-graduação, não é mais novidade que se fale até mesmo em corte em um número delas (bolsas), assim como, entre os técnicos do Ministro Joaquim Levy, a ideia de cobrança de mensalidade nas universidades faz cintilar os olhos em forma de cifrões.
4) Crise política e econômica, avanço de uma agenda conservadora, crescimento da intolerância, manifestações de caráter fascista, etc. Chegamos a isso. Cabe tirar lições e atribuir responsabilidades - e, desse ponto de vista, o lulismo as tem. O modelo de pactuação que ele celebrou atingiu um ponto que levou a perspectiva de Esquerda a um beco sem saída. Para início de conversa, em nome da prática ou do praticismo, promoveu a liquidação do debate teórico, de modo que, quem aventasse discussão nesse sentido, logo era taxado pejorativamente como intelectualista, que fazia perder tempo com coisas que não eram práticas. Assim, promoveu-se a ignorância. O resultado está aí: ao mesmo tempo que o país adotou uma 'agenda de inclusão', por outro lado, promoveu-se a despolitização. E hoje muitos jovens têm como gurus Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino...
São tempos para exercitar o pessimismo da razão e a bondade da vontade.
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