"Assim, todos, juntos, continuavam a sua vida cotidiana, cada um a seu modo, com ou sem reflexão; tudo parecia seguir o seu rumo habitual, como em situações extremas, nas quais tudo está em jogo, e a vida continua como se nada acontecesse". Estas palavras de Johann Wolfgang von Gothe, figura cimeira da literatura alemã e do romantismo europeu, calham bem para o Brasil deste momento. Com as devidas exceções, meios de comunicação têm alimentado um maniqueísmo que assustaria Ormuz e Arimã, gerando o 'comportamento de manada'. De modo que, como certa feita alguém disse (em outro contexto), se um observador desembarcasse de um "objeto não identificado" da órbita lunar, daria razão aos antropólogos estruturalistas. Diria que se repetem versões de "um mesmo mito". Levemente entediado, o nosso ser do outro mundo diria: "o cérebro dessa gente deve limitar as imagens e o pensamento deles a operações binárias". Francamente. É preciso ter senso, já não digo de proporções, mas do ridículo mesmo. O Brasil é muito mais do que essa oposição oficial que aí está (falsa e descredenciada) e o governo que incorporou pontos da agenda dela. Para efeitos de análise, alguns aspectos a serem retidos:
1) Em seu pronunciamento, enquanto a Presidente falava à nação no 'noturno do domingo', em algumas cidades do país, despoletavam-se protestos por meio de 'panelaço' e 'buzinaço'. Algo bastante incomum na história recente da República Brasileira. Também não deixou de ser incomum o fato de já haver toda uma estrutura montada por uma determinada emissora de televisão para fazer a cobertura desse protestos.
2) No dia 15/03, a oposição realiza manifestação pelo impeachment da Presidente. Dois dias antes, no dia 13, segmentos conexos ao governo fazem manifestação - será mesmo, em datas tão próximas, uma decisão estratégica acertada? O risco decorrente das ilações comparativas é grande. De resto, um pouco de história para refrescar a memória: em outro 13 de março, há 51 anos, realizou-se o chamado Comício da Central do Brasil, em favor das Reformas de Base, onde o Presidente João Goulart fez, talvez, o seu último discurso público - foi deposto alguns dias depois, instaurando-se a ditadura militar no país. Nesse comício, o então jovem deputado Leonel Brizola, em palavras aproximadas, disse: "Chegamos a um impasse na vida do nosso país. O povo brasileiro já não suporta mais suas atuais condições de vida. [...] Não podemos continuar nesta situação. O povo está exigindo uma saída. Mas o povo olha para um dos poderes da República, que é o Congresso Nacional, e ele diz não, porque é um poder controlado por uma maioria de latifundiários, reacionários, privilegiados e de ibadianos. É um Congresso que não dará nada mais ao povo brasileiro. O atual Congresso não mais se identifica com as aspirações do nosso povo. A verdade é que, como está, a situação não pode continuar". Repito, isso foi há 51 anos, no dia 13 de março de 1964. A história, está dito, 'repete-se por tragédia e por farsa'.
3) Diante da crise vivida, nos bastidores, o governo abriu canal de conversão com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, com o endosso da Presidente Dilma e do ex-Presidente Lula, conforme noticiou a bem informada jornalista Mônica Bergamo. A meta: a busca de um pacto com o PSDB. FHC sinalizou positivo, mas condicionou o avanço do diálogo ao que acontecerá nos protestos do dia 15 (com o vazamento da informação, ele passou a negar o ocorrido). Em outras palavras, se os protestos do dia 15 sinalizarem crescimento de aderência, a aposta será outra: o afastamento da Presidente. A rigor, o suposto pacto, não se trata de algo novo; em outros tempos, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira também tentou juntar PSDB e PT. Isso, por outro lado, serve ainda para mostrar como são incautos alguns "xiitas" do PSDB que querem levar a Presidente à inquisição o mais rápido possível. Se o entendimento prospera, com qual cara ficarão? Vale para segmentos do PT também.
Em suma, o país vive tempos enigmáticos, e os próximos dias serão decisivos. Quanto às forças vivas da sociedade, como se têm posicionado? A situação é desoladora. O glorioso movimento estudantil, por exemplo, que tantos quadros já deu ao país, não tem passado de uma caricatura, em muitos casos totalmente alheio (alienado mesmo) à realidade nacional. Desinformados e ocupados com outras coisas, determinados estudantes universitários têm até mesmo defendido golpe militar e a instalação de uma ditadura. 'Comportamento de manada'. Por outras palavras: defendem, por desconhecimento de causa (supõe-se), a instituição de um regime que, para existir, requer o silenciamento da universidade e a sua extinção como instituição do livre pensamento. Voltemos ao princípio com Goethe. De fato, ele tem razão: "tudo está em jogo e a vida continua como se nada acontecesse."
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