Apenas procuro exercer o ofício que a análise social requer, e 'não nego tinta à pena'. Dito de outro modo, conforme alguém já realçou: A procura por superar 'as categorias de pensamento impensadas que delimitam o pensável e predeterminam o pensado'. Ou ainda pela via literária, na companhia de José Saramago: 'Apenas levanto a pedra e me limito a clocar à vista o que está por baixo. Não é culpa minha se de vez quando me saem monstros'. Enfim, por outras palavras, da necessidade de se ler e tirar ilações, no cotexto acadêmico, do artigo aí abaixo.
Por Rogério Cezar de Cerqueira Leite (Prof.
Emérito da Unicamp)
Um pouco timidamente começa a comunidade acadêmica brasileira a se
manifestar sobre o declínio de qualidade de sua própria produção científica. Um
rápido histórico ajudará a compreender o problema.
Já na década de 1970, o fluxo de
jovens cientistas brasileiros com formação no exterior, principalmente nos EUA,
provocou a incorporação na cultura acadêmica local do preceito de que a
produção científica, para ser válida, tinha de ser divulgada e avaliada
internacionalmente.
Em seguida, já em finais da
década de 80, após a publicação na Folha de uma lista dos pesquisadores
brasileiros, ranqueados segundo o número de citações recebidas, passou-se a
considerar relevante esse fator para medir o grau de inclusão do conteúdo de um
artigo no corpo universal do conhecimento científico, ou seja, o grau de sua
verdadeira contribuição científica.
Muitas das organizações de apoio
à pesquisa adotaram critérios que levam em consideração publicações e citações
de seus beneficiários, o que é absolutamente necessário.
Todavia esses critérios vieram a
ensejar artifícios, para não dizer artimanhas, para ludibriar os sistemas de
avaliação, usando, obviamente, algumas de suas compreensíveis falhas. Essa
contingência não teria importância não estivesse ela sendo agregada sorrateiramente
à cultura acadêmica brasileira. Listo alguns desses subterfúgios:
1. O pagamento de
"pedágio" se estabelece quando um pesquisador consegue, por mérito ou
oportunismo, apoderar-se de um meio de produzir dados. Com o que afluem outros
pesquisadores ao seu laboratório e, como pagamento, incluem em artigos o nome
do "dono da bola".
2. "O compadrio".
Observa-se nesses últimos 15 ou 20 anos um crescimento do número de autores por
artigo publicado. Grupos de pesquisas também cresceram, e o número de autores
com frequência passa de 10 e às vezes chega a 20. A conclusão é de que há um
acordo de cavalheiros entre membros de grupos para compartilhar autorias. O
número de publicações e de citações é assim multiplicado.
3. O "franciscanismo"
(dar para receber), intra ou inter, dependendo se a burla ocorre entre membros
de uma ou de mais instituições. Com frequência começa como troca de gentilezas
para depois degenerar em perversão consciente.
Essas e outras práticas vêm sendo
estimuladas pela eclosão de publicações de "acesso aberto"
("open access"). São cerca de uma dezena de editoras, cada qual com
uma centena ou mais de revistas na internet. Um pagamento que não passa de
US$800 é praticamente a única exigência imposta aos autores.
Essa, porém, não é, como vem
considerando a imprensa, a causa da corrupção, mas apenas um incentivador
assessório. A inclusão, certamente inadvertida, de algumas dessas publicações
dentre as homologadas por organizações de apoio à ciência é pouco
significativa.
Algumas providências poderiam ser
adotadas para reduzir essas perversões. Por exemplo: limitar o número de
autores admitidos como tal em cada artigo, digamos a três ou quatro, ou
alternativamente, adotar um índice em que o número de citações seja dividido
pelo número de autores; referendar apenas artigos com um número mínimo de
citações, digamos dez; caracterizar e identificar casos de
"franciscanismo" e "compadrio", o que é relativamente
fácil.
Resta ver se é politicamente
interessante para os caciques.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/210685-lixo-academico-causas-e-prevencao.shtml
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