terça-feira, 24 de março de 2015

'Os achaques e o sabotador'

De repente, o Brasil assiste a ascensão do incontrolável poder do deputado Eduardo Cunha, feito presidente da Câmara dos Deputados, de onde tem distribuído cotoveladas retóricas desmesuradamente e humilhado o governo dia sim, outro também, impondo-lhe derrotas vexatórias. Chegou ao ápice ao fazer às vezes da Presidente da República e anunciar a demissão de um Ministro de Estado. A trajetória do deputado, contudo, conforme há tempos relatam jornais, é tomada por episódios escusos e acusações de corrupção graúda, cujo os últimos desdobramentos são a denúncia do Ministério Público por seu suposto envolvimento na Operação Lava Jato e o brado do ex-Ministro Cid Gomes repercutindo a acusação de que o deputado é afeito a achaques. Em verdade, a Revista ISTOÉ já foi mais e, numa capa emblemática (reproduzida aí abaixo), definiu o deputado Eduardo Cunha como 'sabotador da República'.  Membro de uma Igreja Evangélica, ou talvez seria melhor dizer de uma bancada que, no parlamento, sob a capa religiosa, oculta interesses econômicos, Cunha tem se apresentado como líder da cruzada que não admite sequer falar em lei de regulação da mídia. Esbanja um moralismo que, a se considerar o que tem sido dito sobre a sua trajetória, é coisa de falso moralista. Nesse sentido, reproduzo a seguir um texto do Prof. Andre Singer (USP), de há um ano, mas que bem evidencia o percurso do deputado Eduardo Cunha. Com a ilustração da referida capa da Revista ISTOÉ, tem-se uma perspectiva bastante peculiar  da relação entre achaques e sabotagem. 


EventoCunha


Por André Singer

Alguns dados biográficos do líder do PMDB, Eduardo Cunha, ajudam a entender a lavada, de 267 a 28, que o governo levou na votação da última terça-feira, quando a Câmara decidiu criar comissão para investigar a Petrobras.
Mais de um ano atrás, Janio de Freitas, referência do jornalismo político brasileiro, já advertia que, com a presença de Cunha junto a Renan Calheiros e Henrique Alves no comando do Congresso, Dilma iria ter dificuldades. Na época, o jornalista lembrava que Cunha "é cria de Paulo César Farias, que o pinçou do vácuo para a presidência da então Telerj, telefônica do Rio". Corria o ano de 1990. Não demoraria muito para que o mandato de Fernando Collor de Mello fosse tragado por denúncias. No epicentro da debacle collorida estava PC Farias.
Consta que Cunha aproximou-se do meio evangélico do Rio de Janeiro. Filiado ao PPB (hoje PP), de Paulo Maluf, e com apoio religioso, candidatou-se a deputado estadual em 1994, iniciando uma carreira política própria, o que o levou a ser eleito para a Assembleia Legislativa daquele Estado em 2000, galgando daí a passagem para a Câmara dos Deputados em 2002, sempre pela agremiação malufista.
No meio desse caminho, alinhado à direita, nem por isso deixou de participar do governo Garotinho (1999-2002), então no PDT, no Estado do Rio. No entanto, as relações entre ambos depois se deterioraram. Por ocasião da MP dos Portos, alguns meses atrás, os dois ex-colegas de administração travaram carinhoso diálogo no plenário da Câmara, segundo relato de Merval Pereira, de "O Globo". O ex-governador do Rio disse que a emenda patrocinada por Cunha cheirava mal e tinha motivações escusas. Em resposta, o ex-auxiliar teria se referido a Garotinho como batedor de carteira.
Em 2006, Cunha reelegeu-se deputado federal, agora pelo PMDB, sempre com apoio evangélico –em 2010, conseguiu 150 mil votos. A disputa entre Cunha e Dilma vem desde o início do mandato desta, quando, após denúncias em Furnas envolvendo, segundo o "Valor" (25/7/2011), um "grupo ligado" ao deputado, ela nomeou para dirigir a estatal nome fora do círculo de influência do parlamentar carioca.
Em 2007, Cunha havia segurado a Medida Provisória que prorrogava a CPMF até Lula nomear indicação sua para a presidência de Furnas. Maior empresa da Eletrobras, com orçamento bilionário e fundo de pensão importante, Furnas é joia muito cobiçada. A perda do controle sobre a estatal explicaria a posição belicosa do comandante do PMDB na Câmara em relação a Dilma.
Em resumo, é quase um quarto de século de experiência acumulada em controvertidas matérias republicanas. Convém não subestimar.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2014/03/1425914-trajetoria-exemplar.shtml. 

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