O que o texto aí abaixo realça é algo que merece reflexão. Definitivamente, há alguma coisa errada. Em síntese, o que está em causa é o seguinte: em uma década, alunos mais empobrecidos tiveram acesso a professores com melhor titulação, mas os ganhos de aprendizado foram pequenos. O foco é a Escola Básica, mas a análise valeria muito bem também para a universidade, no contexto da sua expansão. Por que será que a qualificação, proporcionada pelos títulos, não tem gerado os efeitos de aprendizagem esperados? Como tem sido a formação desses 'docentes qualificados'? Como lidam com o processo de ensino-aprendizagem? Como planejam, como preparam as aulas e as executam? Bem, mudemos de assunto para continuarmos no mesmo tema - lendo, a seguir, o referido texto.
Por Antônio Gois
Uma tese de doutorado, apresentada mês passado na
Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, mostra como é árdua a tarefa de reduzir
desigualdades na educação brasileira. No trabalho, a pesquisadora Lara Simielli
traz uma boa notícia: a chance de um aluno mais pobre do 5º ano do ensino
fundamental estudar com um professor com formação universitária mais que dobrou
entre 2001 e 2011. É um feito notável, mas, apesar de todo esse esforço, o
quadro verificado em 2011 para esses alunos de menor renda não era suficiente
para alcançar sequer o nível que as crianças mais ricas já verificavam em suas
escolas dez anos antes.
O estudo identificou que, em 2001, menos de 30% dos
alunos que pertenciam à classe E tinham professores com diploma de nível
superior. Na classe A, o percentual ultrapassava 80%, uma diferença de mais de
50 pontos. Dez anos depois, o percentual aumentou para cerca de 70% entre os
mais pobres, enquanto entre os mais ricos a proporção já ultrapassava 90%.
Foram analisadas também outras variáveis do
professor, como a cobertura do currículo durante o ano letivo e o percentual de
docentes pós-graduados. No caso da cobertura do currículo, o padrão se repetiu:
avanços para os mais pobres, mas ainda insuficiente para alcançar o nível dos
mais ricos dez anos antes. Já no caso dos professores com mestrado ou
doutorado, os ganhos em todas as classes foram uniformes. Entre estudantes da
classe E, a proporção de docentes pós-graduados variou de cerca de 30% a 50%,
enquanto na classe A passou de cerca de 50% a 70%. A distância entre os dois
grupos, portanto, permaneceu exatamente a mesma.
Para a autora, é preciso continuar investindo na
melhoria da formação docente, mas é preciso também estabelecer padrões mínimos
para todas as escolas, além de combater a desigualdade investindo mais em áreas
de maior vulnerabilidade.
Outro dado interessante da tese: houve melhoria das
condições socioeconômicas dos estudantes. Em 2001, 35% dos alunos do ensino
fundamental estavam nas classes D e E. Dez anos depois, o percentual caiu para
15%. A geração que estava em sala de aula em 2011, portanto, tinha melhores
condições de vida e teve acesso a professores com melhor titulação (sem entrar
no mérito da qualidade dessa formação), em comparação com a de 2001.
Das variáveis externas à escola, sabemos que a mais
influente no desempenho dos estudantes é o grau de escolaridade e pobreza das
famílias. Entre aquelas que dizem respeito ao que acontece dentro de sala de
aula, o destaque é para o professor. Com esses dois fatores jogando a favor da
melhoria da qualidade do ensino no Brasil, poderíamos esperar ganhos mais
expressivos no aprendizado. No 5º ano do fundamental, eles até ocorreram, e há
quem diga que sua principal causa tenha sido a diminuição nos níveis de pobreza
dos estudantes. Já no 9º ano e no ensino médio, os avanços foram residuais.
Um outro estudo, de Priscilla Tavares, analisou
justamente o impacto que a melhoria das condições de vida da população teve no
desempenho dos alunos nos últimos anos. O trabalho foi publicado em dezembro no
livro “Educação básica no Estado de São Paulo”, mas não se restringe ao cenário
paulista. Priscilla mostra que o peso do nível socioeconômico para explicar as
desigualdades de notas entre os estudantes brasileiros é muito menor hoje do
que há dez anos. Para ela, “isto significa que as políticas, ações e os
programas educacionais possuem muito mais possibilidades de atuar para elevar o
aprendizado e reduzir ainda mais as diferenças existentes entre os alunos. O
desafio agora é adequar a escola a este novo perfil de estudante, com novos
anseios e novas demandas para a escola pública.”
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