segunda-feira, 16 de março de 2015

Protestos contra o governo Dilma: Lições, equívocos e incertezas


Dos fatores que desvirtuam o comportamento humano, dois, por certo, sobressaem logo de imediato: os de caráter ontológico e os de agregação. No primeiro caso, o ser humano pode ser tomado por três elementos que têm a propensão de originar três tipos de violência: 1) a competição, que gera o ataque aos outros; 2) a desconfiança, que ocasiona a violência para se defender; 3) o desejo de glória, nutrindo-se bastante da vaidade, que faz emergir a violência (simbólica ou não) por causa de ninharias, de coisas pequeninas. No segundo caso, temos o comportamento de massa. As respostas em relação ao que consiste a diferença entre o comportamento de indivíduos e de massas são diversas, mas podem ser congregadas sinteticamente, até porque as distinções são mais de grau do que de natureza. Se o medo, a alegria e a raiva são três emoções humanas fundamentais, quando relacionadas às multidões, elas se tornam, respectivamente, pânico, júbilo e hostilidade. O comportamento de massa pode levar as pessoas a fazerem o que elas provavelmente jamais fariam se estivessem sozinhas. Por massa, aqui, em perspectiva sociológica, entenda-se que é um agregado social constituído por pessoas que recebem informações transmitidas pelos meios de comunicação (hoje incluída a internet, a comunicação eletrônica) de um modo, em maior ou menor medida, passivo. Trata-se de um agrupamento relativamente extenso, onde as pessoas estão separadas e até mesmo se desconhecem entre si.  E mais: a) não necessariamente tem a ver com status econômico; b) atualmente, com o desenvolvimento da comunicação eletrônica, as redes sociais permitem a formação de 'multidões virtuais' no assim chamado ciberespaço. Este preâmbulo é para dizer que analisar racionalmente o momento que estamos a viver no Brasil, sem abordagens tendenciosas e utilizando objetivamente os parâmetros que a razão nos proporciona, não é coisa para 'qualquer um'. A análise equilibrada dos fatos requer, entre outras condições, precisão conceitual, superação das fronteiras entre aparência e essência e uma articulada interconexão entre o plano lógico e o plano empírico. É o que tenho procurado fazer nas abordagens aqui desenvolvidas. Neste sentido, seguem aí abaixo algumas notas a respeito das manifestações de ontem (15/03) contra o governo Dilma.

1) Numericamente, foram manifestações maiores do que as do dia 13, realizadas em linha de defesa do mandato da Presidente Dilma. Por que foram maiores? Isto é o que resta saber. Por que, ao contrário das manifestações do dia 13, foram preparadas há mais tempo? Por que, diferente da sexta, o domingo permite mais flexibilidade para participação? Por que a maioria da população quer o afastamento da Presidente? A linha aberta por esta última indagação é a que pode levar a resposta mais fácil (com o sim), e a que mais agrada a oposição, mas a coisa não é tão simples assim. Para início de conversa, entre os manifestantes críticos ao governo, não há consenso sobre uma posição a seguir: uns defendem a volta da Ditadura, com o regresso dos militares; outros o impeachment; e há também quem não concorde com nenhuma destas duas possibilidades. Daí há de se reter que há golpistas entre os manifestantes contra o governo, mas há também quem não o seja. Há quem esteja protestando (de forma induzida ou não) em função da insatisfação com o estado da Nação. 

2) Calharia bem que a polícia militar do estado de São Paulo explicasse com mais exatidão as variáveis da matemática que utilizou para, a meio da tarde do dia da manifestação, anunciar que 1 milhão de pessoas estavam na Av. Paulista. O que a PM disse até agora só agride a inteligência alheia. A Globo News reproduziu incessantemente esse disparate, até o momento em que o Data Folha chamou as coisas à ordem e disse que a assistência teria sido de cerca de 200 mil pessoas, isto é, quatro vezes menos do que estava sendo divulgado. Nessa altura, no ar, os jornalistas globais entreolharam-se e fizeram cara de paisagem. Coisas da parcialidade jornalística - semelhante ao que ocorreu pela manhã, quando a cobertura focou manifestações, fazendo abertamente a apologia delas, exaltando os momentos de canto do hino nacional e praticamente convocando a população à participação. E imaginar que canais televisivos e emissoras de rádio são concessões públicas, que devem ter conduta imparcial, não tomando partido!

3) Os manifestantes contra o governo se sobrepuseram na utilização dos símbolos nacionais, como as camisas da seleção brasileira e a bandeira nacional. Predominou o verde e amarelo. É algo relevante pela capacidade de mobilização que desperta no imaginário do país. O lado oposto, os manifestantes em linha de defesa do mandato da Presidente Dilma, precisam levar isso em conta, incorporando as cores nacionais, para evitar que se forme uma polarização entre verde-amarelo, representando o país, e o vermelho, representando um partido. 

4) Não convém menosprezar as manifestações pedindo intervenção militar/volta da Ditadura, dizendo-se que elas são algo isolado, sem representatividade. A história, 'esta ciência que é um profeta com olhar voltado para trás', mostra-nos muito bem que este é o ponto de partida para o surgimento dos regimes autoritários e sanguinários - a criação, primeiro, de uma atmosfera a seu favor. Por isso, essas manifestações, as ações golpistas, devem ser combatidas com rigor por todos os democratas. De resto, só os tolos podem imaginar que o que está a ocorrer no Brasil, por estes dias, não está sendo observando por quem historicamente tem fomentado rupturas institucionais na América Latina. 

5) Os ataques à condição de mulher da Presidente, estampados em camisas e cartazes. Termos de baixo calão, palavras impublicáveis, que causam repulsa. A violência verbal. Nessa toada, já foi dito até que se deseja ver ‘a Dilma sangrar, e muito’. Francamente. Esse tipo de comportamento desqualifica não só quem assim se pauta, mas os próprios protestos que manifestam. Se na Presidência estivesse um homem, o comportamento agressivo em relação à sua condição de gênero seria o mesmo? É de se pensar.

6) Uma mea culpa a ser feita pelo PT, internamente, talvez. Ou na linguagem que dizem as coisas como elas devem ser: uma autocrítica.  É melancólico que o partido (ou o seu setor dirigente, já que o mesmo é composto por tendências), com a história que lhe revestiu como alternativa política, desde a sua origem, tenha sido o centro gerador de uma tão desastrosa e desgastante situação para a esquerda. A ponto de dar sobrevida a figuras abjetas da política nacional, como o deputado Jair Bolsonoro, defensor confesso dos crimes da Ditadura e da volta dela, aquele que, em plena tribuna da Câmara dos Deputados, fez a apologia do estupro, com a ousadia de dizer que só não estupraria a deputada Maria do Rosário por "uma determinada razão". Figuras como essas, agora, são palavrosas da "ética" e da "moralidade política"! Os caminhos políticos que o PT passou a trilhar deu-lhes sobrevida. Todavia, enganam-se aqueles que acreditam que a mudança no PT e os ilícitos começaram a ocorrer após a chegada do partido ao governo federal. A opção programática feita pelo seu núcleo dirigente permitiu isso já bem antes (sendo opção do núcleo dirigente, portanto, não pode ser vista como algo extensivo a toda a sigla). Dos pequenos e médios ilícitos em sindicatos e movimentos sociais, em projetos, em estruturas universitárias, em ONGs, afrontando-se à lei, para os grandes ilícitos em instâncias do Estado, foi só um passo. O paradoxo: a) não tendo sido essa uma prática de todos os que fazem o partido, todos passaram a ser responsabilizados por ela (e até os eleitores do partido); b) não tendo sido essa uma prática da esquerda brasileira, toda ela, agora, está na defensiva, vendo cair em descredito as propostas de uma política de esquerda. 

7) Tenha-se presente a hipótese que era imponderável há algum tempo: o impeachment da Presidente Dilma. Cabe reflexão sobre isso. Quem assumiria? O quadro é desolador. A cadeira presidencial passaria abrigar o... PMDB. Sim, o partido que, desde 1985, por vias diretas e indiretas, em maior ou menor medida, tem sido o tempo todo governo. E que tem estado no epicentro de grandes casos de corrupção, a exemplo dos atuais, que envolvem o senador Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha, os mesmos que, como presidentes da Câmara e do Senado, em caso do afastamento da Presidente, estão na linha de frente para apitar o jogo, quer continue o vice peemedebista Michel Temer ou não. Politicamente, pode-se discordar, e muito, do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, daí, não é de se negar a sua capacidade como cientista social, de onde se deve reter o que ele disse recentemente: 'tirar a Dilma não adianta nada'. Oriundo do PMDB, partido com o qual rompeu para fundar o PSDB, e tendo convivido com os peemedebistas em seu governo, FHC sabe bem o que diz - por outro lado, o seu momento de franqueza revela bem o estágio em que chegou o sistema político e partidário brasileiro.  

8) Last but not least, o quadro político brasileiro passa a ser de mais incerteza ainda. Já são anunciadas novas manifestações para abril. Não é recomendável que se subestime o que pode acontecer. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário