Por
Ana Macarini
Palavras
podem ser apenas inocentes rabiscos no papel, ou um amontoado de letras
digitadas e refletidas numa tela. Podem ser vazias, e assim, não serão mais
inocentes; porque palavras vazias têm a curiosa capacidade de nos roubar o que
preenche a vida de sentido. Podem ser estudadas, planejadas e estrategicamente
colocadas para produzir efeitos previamente desejados; ou podem vir direto
daquela parte orgânica de nós que produz os mais limpos e honestos sentimentos;
essas revelam muito sobre nós, justamente por serem espontâneas, diretas,
verdadeiras. No entanto, não devemos nunca duvidar de seu poder; uma única
palavra pode levantar ou derrubar um ser humano num momento de fragilidade
física ou emocional.
Ainda
bem pequenos aprendemos o poder da palavra; descobrimos que ao conseguirmos
nomear as coisas ou – ainda mais importante – revelar o que sentimos,
tornamo-nos mais aptos a conseguir satisfazer nossos desejos ou necessidades. A
capacidade de nos fazer entender e de entender o outro, por meio da palavra,
nos confere um atributo inerente e particular do ser humano: temos um código de
sinais, sonoros ou escritos que nos insere num grupo maior; e, com alguma
sorte, mais humano, porque fala e entende a nossa língua.
Ao
longo da nossa existência vamos descobrindo, por meio de experiências,
dolorosas ou de sucesso, a forma mais eficiente de manipular o sentido das
palavras e, assim, garantir ou distorcer a verdade, a depender de nossas
intenções, de nosso caráter e dos valores que nos movem.
Ansiosos
que somos, em virtude da nossa maneira de funcionar, incluídos ou à margem do
mundo, abrimos mão da habilidade de ouvir nossos semelhantes. Enquanto o outro
fala, nossa mente trabalha em ritmo frenético, ora buscando antever a sua
próxima fala, ora buscando a melhor maneira de fazer oposição ou argumentar em
nosso favor ou defesa. Essa inquietação nos coloca numa situação bastante
estranha: como não nos ouvimos uns aos outros (NUNCA!), passamos uma existência
inteira sem saber exatamente o que pensamos, queremos, lamentamos ou tememos da
vida. Passamos a vida reagindo apenas; nada de reflexão, nada de interação;
péssima comunicação.
O
fato é que o que dizemos, queiramos ou não, nos define aos olhos do mundo. Se
formos agressivos, despertaremos no outro a instintiva necessidade de defesa ou
ataque. Se formos assertivos, habituaremos o outro a nos conceder alguma
atenção, uma vez que nossa postura inspirará confiança e firmeza. Se formos
demasiadamente complacentes, conferiremos ao outro o direito de nos diminuir,
desmerecer e subjugar, já que exibimos uma imagem frágil e insegura. Se formos tranquilos, corretos e gentis, ainda que demore um pouco, acabaremos
por encontrar o nosso lugar nesse vasto mundo; acabaremos por manifestar no
outro uma postura mais flexível e acolhedora; conseguiremos, com a nossa atitude, contagiar o entorno e transformar, um pouquinho a cada dia, a forma
como o mundo nos enxerga, interpreta e trata.
A
descoberta da palavra pode ser apenas uma das nossas inúmeras aprendizagens
nesse planeta; pode significar apenas o domínio de um código de troca de
informações; pode representar algo pouco importante do ponto de vista da
evolução, caso nos conformemos apenas em reproduzi-las. Entretanto, como tudo
na vida, há sempre outras inúmeras opções. Que o domínio desse maravilhoso
recurso de comunicação seja entendido como uma ferramenta de aproximação e não
de confronto ou julgamento. Que ao formarmos imagens mentais do nosso discurso,
sejamos mais capazes de considerar que os outros têm o direito de nos
interpretar. Que a nossa habilidade de juntar palavras, ultrapasse a esfera da
manipulação e nos faça compreender que, ao defender o direito de expressão e
manifestação de todos – inclusive dos que discordam de nós –, estamos, também,
garantindo que seja ouvida e respeitada a nossa voz.
No
dia em que tomarmos consciência que aqueles que almejam o bem maior precisam
colocar em atitudes o que tão habilmente discorrem em palavras; que o abuso de
poder só acontece quando nos calamos, por covardia, concordância ou
conveniência; que o que se fala só tem valor quando acompanhado de postura
coerente; que palavras mordazes, depreciativas e ofensivas só servem para nos
diminuir, enquanto tentamos diminuir o outro, estaremos prontos para expressar
apenas o que for para construir, elevar e acrescentar. Neste dia, nossa palavra
terá o valor de uma promessa que já nasceu pronta para ser cumprida; terá a
força de uma prece sentida e a energia de transformação e cura que acompanham
apenas aqueles que honram o que dizem e dizem apenas o que são capazes de
cumprir.
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Fonte: http://www.contioutra.com/. Título original: 'Honrar o que se diz e dizer apenas o que se puder cumprir'.
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