Já está disponível o primeiro número do ano de 2016 da Revista Espaço Acadêmico. Participo do mesmo com um artigo que vai na contramão de determinadas abordagens em educação, voltadas à mera apologia panfletária de autores. São abordagens que se dizem críticas, mas não assumem uma postura crítica das obras dos seus 'teóricos-gurus'. Na referida perspectiva, começo por colocar em realce uma 'antropologia do rito', o peso do simbólico, para assinalar como mentes (limitando-se a glorificar autores) participam de um jogo em que, ao mesmo tempo que se afundam na mediocridade (não tendo pensamento próprio), também auferem lucros pela devoção ao 'sacerdote', ao 'grande guia'. Aí abaixo, a parte inicial do artigo. Pode ser lido integralmente aqui: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/issue/view/1045.
Evidenciando
o peso da tradição e dos rituais, o antropólogo inglês Edmund Leach costumava
descrever com relativa frequência a solenidade em que foi tornado knight[1]
pela rainha. Com a ironia que o caracterizava, procurava escapar do riso que em
si mesmo provocava ao narrar a celebração ritual que se submeteu no ato de sua
sagração à Corte de Saint James. Once a knight is quite enough[2], era o
título da conferência que proferiu vezes várias contando o dito fato.
A ironia entrecortada de erudição de Leach e o seu sentimento
pela revivescência ritualizada de um momento de passagem da condição de “pessoa
comum” para a de integrante de uma ordem nobilitada (que mesmo que não seja
sagrada tem algo de distinto que se reserva às altas hierarquias), todavia,
denunciavam o antropólogo. Ele não conseguia esconder que havia gostado do rito
e da redenominação simbólica a que se submeteu, apesar de o seu ofício ser o de
analisar a realidade, o que significa problematizá-la incontidamente, e assim
sendo inquirir até mesmo a razão de ser do próprio ritual no qual tomou parte e
o tornou knight.
Muito embora o âmbito acadêmico seja uma esfera plebeia,
por comparação à Corte de Saint James, a verdade é que também nela se verificam
sagrações que não têm necessariamente a ver com os ritos de passagem próprios da
vida universitária, mas sim com a reprodução de fidelidade a autoridades
teóricas que, em última instância, dão expressão à “falácia lógica” que os antigos
latinos definiam como argumentum magister dixit - ‘o argumento da autoridade’. O fato é que a
apreciação científica do rito de passagem não eliminou a sua força valorativa,
no sentido em que esta se vincula a um universo hierárquico que sanciona a
distinção. As análises dos ritos de passagens, em diferentes sociedades,
reafirmaram a sua dimensão valorativa, ao invés de colocar a descoberto os
interesses político-sociais que subjazem aos valores que os revestem.
A tradução disso no contexto universitário tem mais de
uma face. Contudo, o mais habitual se revela pela constituição de ‘escolas de
pensamento’ que, derivadas de autores, tornam-se fieis depositárias do que eles
formularam, cuidando da reprodução das suas teses, guardando a ‘sua memória’,
buscando – através de publicações,
eventos, etc. – novos adeptos. E nisso estão envolvidos os jogos de
interesse das (micro e macro) relações de poder, no sentido realçado por Pierre
Bourdieu a propósito do campo científico, isto é, enquanto sistema de relações
adquiridas, como espaço de jogo de uma luta concorrencial, onde está em questão
o monopólio da autoridade sobre o direito de dizer. A banalização da citação pela
citação, num movimento que cita e recita a autoridade-guia, tem a ver com essa
realidade. Ademais, a necessidade de
citar vincula-se a uma espécie de ‘humilde sacerdócio’, pois, na medida em que o discípulo cita e recita, o grande sacerdócio suscita e
ressuscita. Contudo, a identificação com o ‘profeta’
não é apenas um exercício de sacerdócio, pois ela gera dividendos, ou seja,
‘lucros’.
[1] Cavaleiro. No Reino Unido, o título de Sir, utilizado como prefixo ao nome, é usado após as inicais da
cavalaria.
[2] Uma vez cavaleiro é o bastante.
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