Por Mario Sergio Conti
Um
dos sinais mais eloquentes da fraqueza do Partido dos Trabalhadores é o seu
menosprezo pelo estudo e pela teoria. Ele nunca teve um jornal, a forma por
excelência de discussão dos partidos de massa. E a sua revista de estudos,
"Teoria e Debate", há décadas sobrevive à margem da dinâmica
partidária, pouco influenciando nos seus destinos.
Nesses tempos de convulsão, a ausência de
pensamento organizado faz com que o partido medre num deus nos acuda
intelectual. No máximo, elefantes da sigla recorrem ao cavalo de batalha de
fazer política via grande imprensa, na qual misturam fatos do cotidiano com
questões de fundo.
Foi o que ocorreu no fim de semana, com as
entrevistas dos ministros Jaques Wagner e Patrus Ananias, o primeiro à Folha e o
outro a "O Globo". Wagner disse que o PT errou ao não promover uma
reforma política e se "lambuzou"no
financiamento de campanhas eleitorais –eufemismo para grossa corrupção.
Já Ananias misturou expressões católicas e
maoístas para reclamar de o partido não ter feito nem "exame de
consciência" nem "autocrítica construtiva", que conduziriam a um
"mea culpa público".
Não é pouco: ambos aludem reformas
estruturais e à degeneração de parte da direção do PT, cujos membros
abandonaram a defesa de interesses dos trabalhadores para se locupletarem. Mas
as suas palavras são largamente insuficientes. Wagner e Ananias não saem do
epidérmico, sem avançar uma argumentação consistente. O PT vive assim num
paradoxo permanente.
Por um lado, ele é o mais democrático dos
partidos nacionais. Faz congressos e conferências periódicas. As minorias se
expressam e os filiados votam livremente resoluções as mais diversas. De outro,
temas cruciais não são esmiuçados a fundo, de maneira a que se saiba o contexto
no qual a organização pretende intervir.
Nessa incongruência, Rui Falcão é o
presidente ideal para o PT. Advogado de formação e jornalista profissional,
além de leitor de Balzac, ele bem sabe do gume da palavra escrita, do seu valor
para definir rumos possíveis e convincentes.
Até agora, porém, Rui Falcão tem usado tudo o
que sabe para em matéria de escrita obter o contrário: documentos partidários
anódinos, que diluem antagonismos para chegar a obviedades cegas. De caso
pensado, prescinde da lâmina cortante da prática afiada em estudos e
criatividade.
O menoscabo pela teoria não diz respeito só
ao PT. O Brasil teve a sua maior catástrofe ecológica, o rompimento da barragem
da Samarco. E a Rede, de Marina Silva, não produziu nada que preste acerca das
implicações ambientais do modo de desenvolvimento em vigor.
Não é preciso retornar à sacrossanta herança
escravocrata para perceber que ela explica algo, mas não tudo, da pasmaceira
intelectual na presente conjuntura. O marasmo não é geral porque há um punhado
de exceções. É o caso de André Singer, Paulo Arantes, Tarso Genro e Marcos
Nobre, que têm publicado ensaios bastante diversos entre si. O que os une é o
silêncio que a direção do PT lhes dispensa.
Como a crise não arrefece (ontem mesmo as
bolsas caíram ao redor do mundo), uma hora o partido terá que enfrentá-la a
sério. Aí, o PT será obrigado a pensar a sua história e as decisões que vem
tomando. Só então as palavras poderão readquirir o seu poder maior, o de
nortear a ação.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 05/01/2016. Título original: 'O Poder das Palavras'.
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