Aí abaixo, breve artigo que está em publicação no Jornal da Ciência sobre a dramática situação ocasionada pelo aedes aegypi, para a qual muitos ainda não se deram conta dos riscos e da gravidade. Em determinados contextos, tem ocorrido ocultamento do problema.
Alguns sintomas da chikungunya: inflamações, dores e inchaço |
Por Ivonaldo Leite
No
distante ano de 1996, o saudoso Adib Jatene, professor da USP e pesquisador de
referência internacional, na época ministro da saúde, manifestava preocupação
junto a seus pares com as proporções que ‘o problema do mosquito da dengue’ poderia tomar no país. Procurou o então presidente Fernando Henrique
Cardoso, colocando-lhe a par do assunto, e chegou-se mesmo a discutir a
necessidade de se realizar um ‘forte combate ao mosquito da dengue’. Esta é uma
informação de fonte insuspeita: consta do primeiro volume do ‘Diário da
Presidência’ do ex-presidente Fernando Henrique.
O
referido ‘forte combate’ não foi realizado, sucederam-se governos e, passados
vinte anos, temos, em 2016, um quadro calamitoso. O aedes aegypti se
multiplicou e, agora, além da dengue, está associado à chikungunya e zica,
sendo de referir também os casos de microcefalia (cerca de 3000 em todo o país)
e mais recentemente da síndrome Gullain-Barré.
Embora
a realidade que está a ser evidenciada pela imprensa seja, sobretudo, a do
Nordeste, a situação no estado de São Paulo, designadamente em relação à
dengue, também é grave. Os dados indicam que, dos casos de dengue em 2015 no
país, São Paulo concentra mais da metade, o que representa um aumento de 160%
entre 2014 e 2015. O número relativo de vítimas fatais é ainda maior e mais
desproporcional: algo em torno de 70%. Por qual razão esse fato referente à
realidade paulista não aparece nos jornais é um “mistério”. O estado não tem
registros oficiais de casos de chikungunya e microcefalia, mas é de se supor
que, se o atual quadro nacional não for atenuado, logo eles se verificarão
também em São Paulo. Como mostra a história, nas grandes epidemias, ninguém
está em segurança.
No
Nordeste, chama atenção a situação em Pernambuco. Até dezembro de 2015, pelos
dados oficiais – ou seja, referentes aos registros de boletins epidemiológicos
-, o estado tinha 2.550 casos de chikungunya (sendo 807 em Recife) e 1.185 de
microcefalia, dos 3.174 notificados no país (37,33%). Os efeitos da chikungunya
sobre a população adulta são dramáticos, com as dores nas articulações e a
forte possibilidade de se tornar crônica, além do acentuado risco de morte - principalmente
em associação com outras doenças.
Perante
essa conjuntura, demandam-se ações socioeducativas de prevenção e promoção da saúde, forte atuação da
atenção básica e também é útil uma incursão pelo campo da história social da
saúde e das doenças, buscando apreender algumas lições.
Nesse
sentido, convém lembrar o contexto da campanha contra a febre amarela e a varíola
no início do século passado no Brasil. Não custa reiterar que Oswaldo Cruz
rompeu com visões tradicionais e inovou no enfrentamento do problema, adotando medidas
sanitárias com brigadas que percorriam ruas, casas, jardins, etc., para eliminar focos do mosquito transmissor e
valorizando uma ‘postura de comando’, em que a população do Rio de Janeiro
teria que ser vacinada. É fato que, sobretudo em decorrência da oposição irresponsável
que lhe era feita (alimentada, inclusive, por jornais), daí eclodiu a chamada
Revolta da Vacina. Um movimento contra a sua obrigatoriedade. No entanto, em
1907, a febre amarela estava erradicada no Rio de Janeiro; em 1908, uma
epidemia de varíola levaria a população aos postos de vacinação – dessa forma, reconhecia-se
então que Oswaldo Cruz tinha razão.
Desse
exemplo histórico, há de se reter que, perante epidemias, se faz necessário que
se tenha ‘posição de comando’, de liderança, de enfrentamento do problema, sem
a maquiagem publicitária para ocultar a realidade em função de cálculos
político-eleitorais. Afinal, são vidas que estão em risco. O mesmo vale para
quem deseja fazer proselitismo em cima da desgraça alheia. Outro aspecto a ser
retido do mencionado exemplo histórico é que não se enfrenta uma situação como
a que se vive hoje, com o aedes aegypti, sem a coragem (como a que teve Oswaldo
Cruz) de romper com visões tradicionais em saúde, restritas a enfoques
meramente “biomedicalizantes” – impõe-se a necessidade de uma aposta na
comunicação socioeducativa com a sociedade e a população em geral.
Liderança
e comunicação - aliadas a conhecimento técnico e condições infraestruturais –
são, portanto, requisitos fundamentais para enfrentar o dramático quadro ocasionado
pelo aedes aegypti. Como diria o próprio Oswaldo Cruz, ‘sem esmorecer para não
desmerecer’.
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