quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Ameaças do dramático quadro do aedes aegypti: saúde em risco

Aí abaixo, breve artigo que está em publicação no Jornal da Ciência sobre a dramática situação ocasionada pelo aedes aegypi, para a qual muitos ainda não se deram conta dos riscos e da gravidade. Em determinados contextos, tem ocorrido ocultamento do problema. 

Alguns sintomas da chikungunya: inflamações,
 dores e inchaço 

Por Ivonaldo Leite

No distante ano de 1996, o saudoso Adib Jatene, professor da USP e pesquisador de referência internacional, na época ministro da saúde, manifestava preocupação junto a seus pares com as proporções que ‘o problema do mosquito da dengue’ poderia tomar no país. Procurou o então presidente Fernando Henrique Cardoso, colocando-lhe a par do assunto, e chegou-se mesmo a discutir a necessidade de se realizar um ‘forte combate ao mosquito da dengue’. Esta é uma informação de fonte insuspeita: consta do primeiro volume do ‘Diário da Presidência’ do ex-presidente Fernando Henrique.
O referido ‘forte combate’ não foi realizado, sucederam-se governos e, passados vinte anos, temos, em 2016, um quadro calamitoso. O aedes aegypti se multiplicou e, agora, além da dengue, está associado à chikungunya e zica, sendo de referir também os casos de microcefalia (cerca de 3000 em todo o país) e mais recentemente da síndrome Gullain-Barré.
Embora a realidade que está a ser evidenciada pela imprensa seja, sobretudo, a do Nordeste, a situação no estado de São Paulo, designadamente em relação à dengue, também é grave. Os dados indicam que, dos casos de dengue em 2015 no país, São Paulo concentra mais da metade, o que representa um aumento de 160% entre 2014 e 2015. O número relativo de vítimas fatais é ainda maior e mais desproporcional: algo em torno de 70%. Por qual razão esse fato referente à realidade paulista não aparece nos jornais é um “mistério”. O estado não tem registros oficiais de casos de chikungunya e microcefalia, mas é de se supor que, se o atual quadro nacional não for atenuado, logo eles se verificarão também em São Paulo. Como mostra a história, nas grandes epidemias, ninguém está em segurança.
No Nordeste, chama atenção a situação em Pernambuco. Até dezembro de 2015, pelos dados oficiais – ou seja, referentes aos registros de boletins epidemiológicos -, o estado tinha 2.550 casos de chikungunya (sendo 807 em Recife) e 1.185 de microcefalia, dos 3.174 notificados no país (37,33%). Os efeitos da chikungunya sobre a população adulta são dramáticos, com as dores nas articulações e a forte possibilidade de se tornar crônica, além do acentuado risco de morte - principalmente em associação com outras doenças.
Perante essa conjuntura, demandam-se ações socioeducativas de prevenção e  promoção da saúde, forte atuação da atenção básica e também é útil uma incursão pelo campo da história social da saúde e das doenças, buscando apreender algumas lições.
Nesse sentido, convém lembrar o contexto da campanha contra a febre amarela e a varíola no início do século passado no Brasil. Não custa reiterar que Oswaldo Cruz rompeu com visões tradicionais e inovou no enfrentamento do problema, adotando medidas sanitárias com brigadas que percorriam ruas, casas, jardins, etc.,  para eliminar focos do mosquito transmissor e valorizando uma ‘postura de comando’, em que a população do Rio de Janeiro teria que ser vacinada. É fato que, sobretudo em decorrência da oposição irresponsável que lhe era feita (alimentada, inclusive, por jornais), daí eclodiu a chamada Revolta da Vacina. Um movimento contra a sua obrigatoriedade. No entanto, em 1907, a febre amarela estava erradicada no Rio de Janeiro; em 1908, uma epidemia de varíola levaria a população aos postos de vacinação – dessa forma, reconhecia-se então que Oswaldo Cruz tinha razão.
Desse exemplo histórico, há de se reter que, perante epidemias, se faz necessário que se tenha ‘posição de comando’, de liderança, de enfrentamento do problema, sem a maquiagem publicitária para ocultar a realidade em função de cálculos político-eleitorais. Afinal, são vidas que estão em risco. O mesmo vale para quem deseja fazer proselitismo em cima da desgraça alheia. Outro aspecto a ser retido do mencionado exemplo histórico é que não se enfrenta uma situação como a que se vive hoje, com o aedes aegypti, sem a coragem (como a que teve Oswaldo Cruz) de romper com visões tradicionais em saúde, restritas a enfoques meramente “biomedicalizantes” – impõe-se a necessidade de uma aposta na comunicação socioeducativa com a sociedade e a população em geral.  
Liderança e comunicação - aliadas a conhecimento técnico e condições infraestruturais – são, portanto, requisitos fundamentais para enfrentar o dramático quadro ocasionado pelo aedes aegypti. Como diria o próprio Oswaldo Cruz, ‘sem esmorecer para não desmerecer’.

Nenhum comentário:

Postar um comentário