Por
Josias de Souza
Na engrenagem aparelhada do
Estado brasileiro, sempre que um servidor público é pilhado em atos de
corrupção, deveria haver vergonha em pelo menos um gabinete de congressista ou
de autoridade, que teria de explicar por que apadrinhou a nomeação de um desqualificado.
Cada assalto feito no segundo ou no terceiro escalão tem sempre um cúmplice
disfarçado no primeiro escalão. Entretanto, acima de um certo nível de poder,
nenhuma cumplicidade justifica um rosto vermelhinho.
No escândalo da carne, o ministro Blairo Maggi obteve a
concordância de Michel Temer para afastar os 33 servidores da pasta da
Agricultura suspeitos de manter um relacionamento promíscuo com frigoríficos
que deveriam fiscalizar. Maggi fez mais: abriu contra os servidores processos
administrativos que podem resultar em demissão. O ministro fez pior: depois de
enviar os suspeitos para o patíbulo do Diário Oficial, exibiu suas cabeças na
vitrine da internet (veja a lista aqui).
O 7º nome da lista de execrados da Agricultura é o
ex-superintendente da pasta no Paraná, Daniel Gonçalves Filho, um personagem
que o ministro Osmar Serraglio (Justiça) chama de “grande
chefe”. O 14º nome da relação é Gil Bueno de Magalhães, que
substituiu Daniel Gonçalves na superintendência paranaense em 2016, sob o
apadrinhamento de deputados do PP — entre eles o agora ministro Ricardo Barros
(Saúde). Enquanto os afilhados são tratados na base do mata-e-esfola, os padrinhos fingem-se de mortos.
Em comunicado à
imprensa, a pasta da Agricultura anotou que os 33 servidores foram “afastados
em razão da investigação da Polícia Federal sobre supostas irregularidades em
frigoríficos”. Se os crimes são supostos, a culpa é presumida. Ainda assim,
optou-se pelo afastamento preventivo, acompanhado da abertura de processos
administrativos. Nada poderia ser mais respeitoso com o contribuinte do que
afastar a suspeição do exercício de funções públicas.
O acerto em relação aos suspeitos miúdos expõe o
desacerto no trato com os suspeitos graúdos. No modelo criado por Michel Temer
para proteger amigos em apuros, instituiu-se o afastamento em conta-gotas.
Ministros investigados não devem nada a ninguém, muito menos explicações.
Quando forem denunciados amargarão um afastamento temporário, conservando o
salário e o foro privilegiado. Só depois de convertidos em réus pelo Supremo
Tribunal Federal é que os ministros seriam enviados ao olho da rua.
Nos próximos dias, o ministro Edson Fachin, relator da
Lava Jato no Supremo, puxará o manto diáfano que esconde os podres da
colaboração da Odebrecht. Em condições normais, haveria escândalo em gabinetes
do Planalto e da Esplanada. Mas já está entendido que o cinismo é o mais
próximo que o governo conseguirá chegar da honestidade.
Se a pasta da Justiça pode ser gerida por alguém cuja voz
foi captada num grampo travando diálogo vadio com um sujeito que a PF chama de “líder
de uma organização criminosa”, tudo é permitido. Inclusive tratar a plateia
como cretina.
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Fonte: http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/