domingo, 12 de março de 2017

Mercadores de ilusão: o show não é livre


Parte dos meios intelectuais do país foi tomado pela polêmica em torno do professor Leandro Karnal, após ele postar em rede social uma fotografia de um jantar em Curitiba ao lado do juiz Sérgio Moro e de outro magistrado. Na postagem celebra o encontro e o vinho. Pela postura que vinha mantendo e até pelo que já disse sobre o juiz da Lava Jato (comparou-o, por exemplo, ao desastre do presidente Collor), as reações de seguidores seus no facebook foi dura, muito dura, seguindo-se diversos outros artigos críticos.  Bom, ele tem o direito de jantar com quem quiser e celebrar os vinhos que lhe aprouver - se cabernet sauvignon, malbec, carmere ou merlot, arrematando o jantar com um porto de honra, pouco importa. É algo da esfera privada. Não é pauta para o debate público. De igual modo, as suas qualidades intelectuais não deixaram de existir depois do fato. A crítica que pega essa via - e há quem vá por aí - não chega a lugar nenhum. O que o episódio traz a lume é outra matéria. Trata-se daquilo que uma certa sociologia de raiz francesa chamou de 'intelectuais midiáticos'. Já não fazem propriamente análises, nem problematizam o mundo social. Transformaram-se em opiniáticos, comentaristas de todos os assuntos e de nada. Em alguns contextos universitários, o subproduto disso pode ser denominado de caça microfone e auditório. O mercado desses intelectuais midiáticos tem sido promissor: venda de palestras (algumas que beiram autoajuda), consultorias e contratos com jornais e canais de televisão. Qual independência terão para analisar o papel da mídia? Nenhuma. São pautados por ela. O professor Karnal tem colocado um pé nessa canoa, e faz uma gestão milimétrica do marketing de sua imagem. A foto de Curitiba talvez não seja mera casualidade. Que tipo de consequência tem para a inteligência nacional a existência de intelectuais midiáticos é algo a se pensar. E, a rigor, isso não tem a ver propriamente com Karnal. É um fenômeno mais amplo e complexo. Até porque existem outros supostos intelectuais que têm desempenhando um papel bem mais ultrajante. Em 2011, em França, Pascal Boniface (Universidade de Paris VIII) publicou um livro de impacto sobre o assunto. Foi o Les intellectuels faussaires: Le triomphe médiatique des experts en mensonge - 'Os intelectuais farsantes: o triunfo midiático dos especialistas em mentira' (reprodução da capa aí acima). Afirma ele que os referidos são farsantes que fabricam a falsa moeda intelectual para garantir seu triunfo sobre o mercado da convicção, não se distinguindo muitas vezes as fronteiras entre farsantes e mercenários. São mercadores de ilusão, mas, mesmo o espetáculo sendo um embuste, o seu show não é livre.