Por
Janio de Freitas
A
última novidade americana de que temos notícia já não é uma Casa Branca
manicomial, mas não foge à linhagem das contribuições psicopáticas à cada dia
mais desatina da "civilização ocidental". Além de penetrar à vontade
nas comunicações telefônicas mundo afora, como aconteceu a conversas de Angela
Merkel, Dilma Rousseff e outros governantes, e de entrar nos computadores
alheios, o serviço de espionagem e sabotagem dos EUA (CIA) pode valer-se dos
aparelhos domésticos de TV para captar e transmitir-lhe as conversas no
respectivo ambiente. Sem palavras rastejantes, a CIA é uma
Gestapo gigantesca, planetária, levada às últimas possibilidades de invasão das
mentes e da vida humana.
Diante
desse poder cibernético, o que pode o mundo, sua vítima, é repetir a divisão
motivada pelo poder nuclear. De uma parte, os países que desviaram imensas
fortunas para entrar no círculo atômico; de outra, os que se sujeitam à
subalternidade ou preservam uma posição digna no mundo por meio de uma posição
independente e estrategicamente habilidosa.
Michel
Temer falou há pouco da importância reconhecida ao Brasil. Apenas três dias
antes, o correspondente Henrique Gomes Batista transmitira as palavras do brasilianista
Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue: "Antes, toda vez que
eu voltava do Brasil, as pessoas queriam saber o que o país estava fazendo, se
havia novidades. Hoje o país perdeu a relevância". A palavra
"hoje" define o que era o "antes".
No
"antes", talvez referente sobretudo ao plano interno, a estratégia e
a política internacionais do Brasil foram fundamentais para as
"novidades". Mas foi também nele que isso começou a esvaziar-se, pelo
plano secundário em que foi deixado por Dilma Rousseff. Sem reclamações
internas. Primeiro, porque a imprensa/TV no Brasil faz jornalismo tipicamente
periférico, repetidor de uns poucos (hoje em dia, pouquíssimos) temas do
jornalismo internacional dos centros mundiais de decisão.
Além
disso, porque interessar-se pela virada que a "política exterior ativa e
altiva" introduziu, em seguida a um período caudatário dos ditames
americanos até na política econômica, fortaleceria um governo e várias
políticas indesejados pelo poder econômico. Por mais que estivesse beneficiado
pela ação comercial incluída na nova política externa.
A
África representou muito nessa política. Os Estados Unidos têm grande interesse
na face africana voltada para o Atlântico Sul: ali está o petróleo alternativo
para previsíveis problemas com sua fonte petrolífera na Arábia. Os americanos
veem a África Ocidental como uma espécie de reserva sua não declarada. Mas a
costa atlântica da África está voltada também para o Brasil. E em frente às
jazidas e poços brasileiros, inclusive do pré-sal. A busca de relações
profundas com essa África, importantes até para a soberania brasileira, levou a
iniciativas que a Lava Jato entende como picaretagem. Na cooperação militar, a
Marinha brasileira tem até presença expressiva na Namíbia.
Nessa
política, as multinacionais brasileiras tinham um papel e uma fonte de ganho,
com igual relevância. Sua atividade em quatro dos países africanos e em um
sul-americano compõem os capítulos de um livro que, afinal e quase
inexplicavelmente, moveu o jornalismo brasileiro para parte das iniciativas
africanas do Brasil. É uma reportagem, rara no tema e ótima na realização, que
proporciona também uma visão social e política, como um fundo que dá ao livro
dimensão bem maior do que o indicado no título, "Euforia e
Fracasso do Brasil Grande". Jornalista de primeiro time,
Fábio Zanini deu uma leitura agradável e informativa a um tema desprezado que
vale a pena conhecer.
E
quem quiser saber o que é diplomacia, e o que nela foi a ação que por certo
tempo incluiu o Brasil nas decisões mundiais, as respostas estão dadas pelo
ex-ministro Celso Amorim, em "Teerã, Ramalá e Doha — memórias da política externa
ativa e altiva". Livro ótimo, para hoje e para o futuro. Mas que dá certa
nostalgia, no Brasil que "perdeu a relevância".
----------------------------------
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas