Por Michel Aires de Souza (USP)
O amor em sua essência tem um
duplo sentido. O mito do nascimento de Eros nos mostra a ambivalência do amor.
Esse mito foi contado por Diotina da Mantineia em um debate com Sócrates,
no livro o Banquete de Platão, escrito no século IV antes de Cristo. O
mito mostra-nos os dois lados de Eros. Quando Afrodite a Deusa da beleza
nasceu, todos os deuses foram convidados, exceto Pênia (a Penúria).
A Deusa Pênia é a personificação da miséria. Por onde ela passa produz a
escassez e a carência. Mesmo não tendo sido convidada para a festa, a Deusa dos
desgraçados e miseráveis decide entrar para se alimentar dos restos de comida,
pois estava morrendo de fome. Ao perceber que todos os deuses estavam
distraídos, se divertindo, começa a comer. No jardim encontra Poros
(Abundância) embriagado, filho de Metis (A Prudência), personificação da
riqueza. Com isso faz amor com ele. Daí surge Eros, Deus do Amor.
Ao ser gerado no dia do nascimento de Afrodite, a Bela, Eros ama o belo, está
sempre em busca da beleza. Mas sua vida é trágica. Como sua mãe, Eros está sempre carente, mendigando. Ele
sente-se infeliz e abandonado, sempre na penúria. Mas, por outro lado, por ser
filho de Poros, é astuto, engenhoso e calculista. Está sempre em busca da
beleza. Quando consegue conquistá-la sente plenitude e felicidade.
O amor é carência e
plenitude ao mesmo tempo. Aquele que ama sente um vazio, uma falta, uma
privação, que somente se dissipa através do outro. O amor é uma busca
constante para aplacar a dor da falta. Nós amamos no outro a nossa
incompletude. Como disse Marcel Proust, “só se ama o que não se possui
completamente”. Por outro lado, o amor é pleno, belo, alegre e feliz. O outro
nos preenche na medida em que satisfaz o nosso vazio interior. Nesse sentido, o
amor é uma linha tênue entre a carência e a abundância, a tristeza e a
felicidade, o vazio e a plenitude. Quando dois indivíduos transcendem através
do amor, eles se tornam plenos de felicidade, de abundância.
Contudo, é perigoso o amor que pensa encontrar no outro um pedaço de si
mesmo. Amar no outro a si mesmo é poder perder-se a si mesmo. A pessoa
apaixonada afirma: “Eu e você somos um só”. No auge do sentimento do amor as
fronteiras entre o eu e a pessoa amada ameaçam desaparecer. O indivíduo se
despersonifica, se desindividualiza, torna-se outrem. Os sentimentos e emoções
afetam o indivíduo independentemente de seu consentimento. É nesse
sentido que podemos entender o conceito de paixão. A partir de sua etimologia,
paixão vem de pathos, que, em grego,
tem a mesma raiz de sofrer, suportar, deixar-se levar por. O amor intenso,
fulminante e perturbador da alma, impede
o homem de perceber os acontecimentos com clareza. Também é nesse sentido que o
amor, entendido como uma paixão arrebatadora, é doentio e perigoso, portanto,
deve ser controlado. O verdadeiro amor consiste em doar-se, sem se anular. Amar
é preservar a individualidade e a diferença do outro, sem perder de vista nossa
própria individualidade. Amar é admirar e estar comprometido com a realização
do outro. O ato de amar implica cuidados, responsabilidade, lealdade e
autoconhecimento.
Os Gregos tinham três
palavras para definir o amor: Philia, Ágape e Eros. A palavra Philia
refere-se à amizade. A amizade é um amor incondicional, pois não
impõe condições ou limites para se gostar. O amor entre amigos é
desinteressado. A confiança é o seu fundamento. Na amizade
compartilham-se os pensamentos e os segredos, pois amigos são francos, nada se
esconde um do outro. O companheirismo, a preocupação, o respeito, a
lealdade, o carinho são as características fundamentais de toda amizade. A
palavra Ágape, por sua vez, refere-se ao amor fraternal. Surge do preceito
cristão “amai uns aos outros como eu vos amei”. Era usada nos textos antigos
para designar uma boa refeição em ritos de ação de graça. Daí surge à noção de
eucaristia e caridade. É um tipo de amor universal ligado ao desprendimento, à
filantropia, à generosidade e à fraternidade entre os homens. É o amor pela
humanidade. Por último, Eros é o amor romântico e tem um caráter sexual.
Ele está ligado à atração e ao desejo, pois é fisiológico. No amor
erótico duas pessoas são atraídas, se apaixonam e buscam a felicidade
mutuamente. Contudo, Eros é ambivalente e tem uma influência fundamental na
personalidade humana. Ele produz grande satisfação e felicidade, mas pode
desorientar o indivíduo mais conservador, pode destruir relações de amizade, interromper
tarefas e destruir a vida de uma pessoa.
A partir desses três
conceitos, podemos compreender melhor a essência do amor. A relação
amorosa é fundamental para a felicidade dos indivíduos. O amor é um
desejo de unidade e indivisão, de completude e de satisfação plena. O amor
preenche a existência. A vida sem amor não vale a pena ser vivida. Por esta
razão, os três conceitos sobre o amor se tornam fundamentais para a vida
amorosa. O amor de Eros se desvela como um impulso de reprodução da
espécie. Ele busca a satisfação do desejo, do prazer e da alegria. Contudo, o
amor não se realiza apenas eroticamente, não se satisfaz apenas pela satisfação
do prazer e da sexualidade. A vida amorosa começa com Eros, pela
apreciação da beleza, mas transcende a mera sexualidade. Por isso, é necessário
o amor de Philia, para gerar a amizade, a reciprocidade, o companheirismo, a
lealdade. O amor de Philia valoriza a confiança, os projetos compartilhados, o
cuidado pelo outro. Contudo, não há amor sem Ágape, pois a generosidade, a
preocupação e a doação de si também são fundamentais para a vida amorosa. Nesse
sentido, a vida feliz no amor só pode existir através de Eros, Philia e
Ágape. Se faltar um desses três ingredientes não há amor. No
amor não há interesses, mas somente afeição entre duas pessoas. A gratidão, a
tolerância, o zelo, a amizade, o desejo, a paixão, a generosidade, a doação de
si são produtos e ingredientes do amor.